Em vez das persistentes buzinas e do ruído do tráfego automóvel de Delhi, dos chamamentos do imã das mesquitas de Jaipur, ou do som dos sinos tocados pelo fies nos inúmeros templos hindus de Pushkar, acordámos em Bhagsu ao ritmo dos djambés e do cantar dos pássaros. Definitivamente estamos numa outra Índia, até agora completamente desconhecida para nós, e não foi só o clima e a paisagem que mudaram.
Trocámos as habituais ventoinhas de tecto, que tornavam possível uma noite de sono, pelos cobertores, pois o clima aqui é influenciado pelos Himalaias, que proporcionam, nesta altura do ano, manhãs frescas, dias quentes mas sempre com a brisa fresca que vem dos picos nevados das montanhas próximas e noites frias.
Ao principio estranha-se sempre a chegada a um novo local. Estranha-se a paisagem, as pessoas, as ruas, o clima, o hotel, o colchão, tenta-se descobrir nas manhas da fechadura do quarto ou o funcionamento das torneiras, os melhores sítios para comer, o melhor chai…. à primeira vista os locais onde chegamos nunca nos parecem convidativos: confusos e de certa maneira parecidos, mesmo tendo percorrido centenas de quilómetros. Com o passar dos dias vamo-nos familiarizando com o que nos rodeia, criando hábitos e rotinas que nos permitem conquistar novamente a nossa “zona de conforto”.
A paisagem que nos rodeia é de montanha, totalmente coberta de árvores, maioritariamente por uma espécie semelhante aos pinheiros do norte da europa, encontrando-se por toda a encostas, nas zonas mais baixas, aglomerados de casas com os seus característicos telhados de placas de xisto, rodeadas de pequenos campos de cultivo, geralmente de trigo, em socalcos conquistados à forte inclinação da encosta.
Uma das maiores cidade do estado de Himachal Pradesh é Dharamsala (1219m), mas aí pouca gente fica, apesar da vista que de lá se tem para os picos cobertos de neve. Poucos quilómetros mais acima, encontra-se a vila de Mcleod Ganj, que surgiu no “mapa” desde que aqui se estabeleceu o Dalai Lama. Com o aumento do turismo, as povoações vizinhas, como Dharamkot e Bhagsu, onde estamos alojados, foram crescendo e espalhando-se pelas encostas praticamente ligando-se umas às outras por caminhos pedonais. Por todo o lado existem casa que alugam quartos, pequenos restaurantes, cafés, chill-outs, pequenos postos de venda de fruta e algumas lojas que vendem artigos de higiene e comida, essenciais à “sobrevivência” de um ocidental.
Bhagsu, situada a cerca de 2000 metros de altitude, consiste em pouco mais do que numa rua principal que vai ter a um templo hindu, e uma outra, perpendicular, que sobe pela encosta quase a 45 graus de inclinação. Ambas estão inundadas de lojas de roupa, com artigos de caminhada ou roupa ao estilo hippie-freak europeu, artesanato tibetano…. proliferam guesthouses e restaurantes com o nome de “om star”, buddha delight, mystery café, laughing buddha, zion café, rainbow gathering, gipsy kings, ever green, sunset…
Não se encontra com facilidade a típica comida indiana vendida na rua, e mesmo os restaurantes indianos, maioritariamente do Punjab, servem também comida italiana, chinesa, tibetana, mexicana e israelita. De facto os israelitas conquistaram esta zona, encontrando-se por aqui em grande numero; no hotel onde estamos, o incaracterístico Sky Pie) devemos ser os únicos, juntamente com os empregados, que não somos de Israel 😉
Mcleod Ganj (1770m), que fica a pouco mais de 2 quilómetros de Bhagsu, é uma povoação maior, onde a presença tibetana é bem evidente, em restaurantes, lojas e livrarias, vendo-se monges e monjas, e muitas mulheres vestindo as roupas tradicionais do Tibete. Aí encontra-se o templo budista Tsuglagkhang, o complexo que alberga o dois templos budistas com as tradicionais rodas de bronze com inscrições de mantras, escolas, associações de apoio a refugiados, centros de arte e cultura, a residência oficial do actual Dalai Lama, assim como a sede do movimento de resistência à invasão chinesa.
O Tibete era reino autónomo, governado pela dinastia espiritual do Dalai Lama, tendo sido invadido, em Maio de 1949, pela China, pela mão do Exército Popular de Libertação. Desde então 1.2 milhões de tibetanos foram mortos e 90% do património cultural tibetano foi destruído. Entretanto mais de 250 mil tibetanos refugiaram-se na região de Dharamsala, onde o actual Dalai Lama, Tenzin Gyatso, se exilou e onde tem residido desde então.
Infelizmente a causa “Save Tibet” tem perdido o impacto na opinião pública internacional, e a crescente importância da China na economia mundial faz com que haja pouca esperança na mudança desta situação.