“when you are stranger, people are strange…” excerto de uma música dos The Doors.
Quando nos afastamos dos locais frequentados por ocidentais, perdemos o olhar cúmplices de outros estrangeiros com quem nos cruzamos e sentindo-se uma empatia natural, mesmo sem nos conhecermos ou termos trocado uma palavra, fazendo-nos sentir pequenos e insignificantes.
Mas quando iniciamos viagem e nos perdemos na imensidão da Índia, parece que nos diluímos na multidão, e apesar de sermos o centro das atenções somente recebemos olhares de curiosidade, raramente se conseguindo quebrar a barreira formada por culturas tão distintas. Não temos as mesmas referências ou os mesmos hábitos, não partilhamos a mesma religião, não falamos a mesma língua e nem a linguagem gestual é a mesma.
Em locais com muita gente, como são as estações de comboios, parece que somos engolidos pela massa humana, como se fossemos uma pequeno barco a deslocar-se contra a corrente. Solitários num mar de gente.
Todas estas considerações resultaram da mais longa viagem que fizemos nesta segunda visita à India; saímos de Pushkar, no Rajastão com destino a McLeod Ganj, no estado de Himacal Pradesh.
Foram mais de 24 horas de viagem; não sei quantos quilómetros pois por aqui o que conta é mesmo o tempo de duração da viagem.
Saímos pela hora de maior calor de Pushkar, pelo que tivemos que apanhar um tuk-tuk para nos levar à estação de camionetes, ou melhor, ao descampado de terra batida onde para os autocarros, à entrada da cidade, para nos levar a Ajmer.
Daqui embarcamos na grande aventura que é andar de autocarro, nas carreias normais, em veículos pertencente à empresa governamental. Os veículos estão num péssimo estado de conservação, tanto exterior como interior, sujos e desconfortáveis. As estradas são geralmente más e a lotação ultrapassa muitas vezes o limite. Tudo isto torna as viagens neste tipo de veículos penosas apesar do colorido provocado pela massa humana.
Os veículos estão muitas vezes decorados com imagens de divindades hindus e podemos ter a companhia de música indiana ao estilo bollywwod. Existe sempre um “pica” que cobra os bilhetes e dá ordens para que se consigam encaixar mais passageiros, num veículo já cheio de gente e bagagens; velhotes ou mulheres com crianças não têm tratamento preferencial, indo muitas vezes sentados no chão.
Geram-se momentos de confusão, por vezes com discussões, muito barulho, muitos encontrões, o que somado com o calor fazem com que meia-hora de viagem pareçam uma eternidade.
Esperava-nos uma viagem de comboio de Ajmer para a estação de Chakkin Bank, que deve ser tão insignificante que nem vem no mapa nem no nosso guia de viagem, e que se iniciou pouco depois das duas da tarde e durou até às 8 da manhã do dia seguinte, duas horas depois do previsto.
Como era uma viagem longa, escolhemos lugares nas carruagens com três camas. Foi uma viagem agradável enquanto percorríamos as planícies secas do Rajastão. A passagem por Delhi, já durante a noite criou alguma confusão com a entrada de novos passageiros, tendo-nos calhado no nosso compartimento quatro mulheres com três crianças pequenas; tememos o pior, mas revelou-se uma noite calma, que terminou bem cedo pelas 6 da manhã, com o habitual reboliço.
Chegados à estação de comboios de Chakkin Bank, tivemos que negociar com um tuk-tuk a viagem até à estação de autocarros de Pantankot, já no estado de Himalacal Pradesh. Foi uma viagem na parte de trás do veículo, que geralmente ocupamos com as nossas mochilas mas que desta vez ainda levou mais 5 passageiros e respectiva bagagem, por mais uma feia e incaracterística cidade.
Chegados ao terminal de autocarros de Pantankot, enquanto esperávamos comemos um dos tradicionais pequenos almoços dos indianos, as chamuças, que são servidas com um molho tipo carril ou somente um molho picante, a que chamam chutney (que não tem nada a ver com o que nós conhecemos por esse nome).
Pareceu-nos o repasto de um rei, pois a comida durante a viagem do comboio foi escassa e não íamos preparados com provisões.
Aqui começa mais uma viagem alucinante de autocarro pelas estradas montanhosas, em mais um veículo decrépito, que durou 4.5 horas para percorrer os 98 quilómetros que nos separavam do nosso destino: Dhramsala.
Chegamos espapaçados a Dhramsala onde apanhamos um táxi, pois mais uma viagem de autocarro estava fora de questão, para nos levar ao local que escolhemos para ficar: Bagshu, situado a 2100 metros de altitude já na cadeia montanhosa que forma os Himalaias.