Tibetanos vs Indianos
A chegada ao estado de Himachal Pradesh, mais concretamente a Mcleod Ganj, permitiu-nos tomar contacto com a cultura, a gastronomia e a forma de estar dos tibetanos. Aqui a comunidade tibetana está perfeitamente integrada, com escolas, bibliotecas, templos, centros de arte e inúmeras associações para divulgação cultura tibetana e da causa “Free Tibet”.
Encontram-se tibetanos à frente de inúmeros negócios, com restaurantes, pensões, livrarias, cafés, alfaiates, lojas de roupa, de artesanato e de arte Thangka, que consiste em quadros com elaborados desenhos relativos às várias etapas da vida de Buda, pintados à mão, com grande detalhe; podem também apresentar mandalas e mantras.
Nota-se contudo uma grande diferença entre as duas culturas, não só em termos de religião, vestuário e alimentação, mas também na atitude. Nota-se na comunidade tibetana um maior dinamismo, que se torna evidente em restaurantes e cafés, onde resultam espaços mais organizados, limpos e com uma decoração mais cuidada, que contrastam com os espaços explorados por indianos, que transmitem uma sensação de preguiça e desleixo que espelha a forma de estar indiana.
Há nos indianos, em especial nas zonas rurais ou em cidades pequenas, uma candura e suavidade que se transmite nos gestos, no ritmo lento e descontraído, e que se pode resumir no característico gesto de abanar a cabeça, em sinal afirmativo, acompanhado de um tímido sorriso.
Nos restaurantes e lojas geridas por tibetanos, sente-se um certo dinamismo, mesmo que não estejam a atender ninguém, vão arrumando e limpado estando atentos a algum pedido, ao passo que nos estabelecimentos indianos sente-se o passar tempo, que deixou a sua marca nas superfícies baças e já sem cor, envolvidas por um de véu de pó e gordura, como se nada tivesse sido mudado desde o dia em que abriram.
Combinando com a lassidão dos gestos, sente-se uma aceitação passiva da decadência provocada pelo passar do tempo, e que se assume à partia como inevitável; como se uma coisa que deixou de funcionar, ao não ser reparada, acabe por ser esquecida, tornando-se desnecessária, sem contudo perder o seu lugar.
A comida reflete o oposto: os pratos indianos são intensos, tanto na cor como no paladar, ao passo que a comida tibetana usa poucos temperos e nenhuma especiaria, sendo suave e leve, deixando sobressair o sabor dos legumes escolhidos. Para isto contribui o pouco tempo de cozedura dos vegetais, tanto nos pratos tibetanos como indianos.
As refeições são servidas a qualquer hora do dia, sendo confecionadas na hora em poucos minutos; nunca se recusam a preparar uma refeição mesmo que estejam a comer ou a dormir a sesta, e mesmo que o pedido exija algum ingrediente em falta, alguém do restaurante sai apressadamente para ir buscar ou pedir a algum “vizinho”.
Há parte de tudo isto, os monges Budistas Tibetanos (pois há outras variantes do Budismo), percorrem as ruas de Mcleod Ganja, com as suas roupas de cor grená, cabeça rapada, saco de pano ao ombro, que cruzando-se connosco nos saúdam com um sorriso amigável. Vemo-los frequentemente em restaurantes, cafés, nas compras ou a fazer passeios pela montanha, usando o seu smartphone, e metendo facilmente conversa com ocidentais.
Pelo que podemos observar é tradição entre a comunidade tibetana comer carne, incluindo os monges, pois o clima do Tibete, não é propício à produção de vegetais; contudo encontram-se sempre nos restaurantes tibetanos pratos sem carne, e até mesmo restaurantes exclusivamente de comida vegetariana.
Regras de etiqueta
É sobejamente conhecida a regra de comer com a mão direita, sendo a esquerda reservada para a limpeza após a ida à casa de banho, para a lavagem dos pés ou mesmo para tirar os sapatos.
Não se deve mexer na comida com a mão esquerda, nem limpar a boca, passar objetos ou apontar para pessoas. Da mesma forma, demonstra falta de respeito receber e ou passar comida a outra pessoa com a mão esquerda, se bem que o mesmo gesto usando as duas mão é sinal de respeito. Receber comida ou objetos deve também ser feito com a mão direita.
Já estamos praticamente adaptados a comer somente com uma mão, mas é uma tarefa que requer algum treino e habilidade, pois é necessário gerir o numero de naan, parata ou de chapati (três dos mais comuns tipos de pão consumidos aqui na Índia) de forma a conseguir levar à boca toda a comida, incluindo a tradicional sopa de lentilhas.
A maior parte dos restaurante onde temos comido (frequentados maioritariamente por indianos) não têm talheres, mas atendendo à nossa condição de “ocidentais” é-nos fornecida uma colher e por vezes guardanapos, nas zonas com mais turismo. Contudo já dispensamos tais utensílios tendo-nos adaptado bem a comer com a mão e à habitual lavagem antes e depois de cada refeição, que tem que ser intensa de forma a tentar tirar a cor que o açafrão deixa nos dedos.
Outro aspecto que se deve ter em conta é não partilhar a comida com outra pessoa, nem beber do mesmo recipiente ou garrafa. Caso se partilhe um recipiente de água, deve-se beber de forma a que os lábios não toquem no recipiente.
Nos templos, tanto hindus, jainistas como muçulmanos, os sapatos devem ficar na entrada, onde muitas vezes existem prateleiras ou mesmo um guarda. Para além desta regra, nos templos jainistas não se pode entrar com artigos de cabedal.
A melhor forma de não cometer gafes é observar e imitar o que os outros fazem.
Quanto à roupa, apesar de a maior parte dos homens usarem calças e camisa, e nas cidades já se verem muitas mulheres com roupa ocidental, ainda não é muito aceitável andarem com os ombros descobertos ou com roupa acima do joelho. Em comparação com o sul, tanto em Delhi como aqui no estado do Rajastão encontram-se poucos homens vestidos com as roupas tradicionais. Excepção são as zonas muçulmanas em que o uso de véu é uma constante entre as mulheres, encontrando-se algumas totalmente cobertas, e onde os homens vestem túnica e calças brancas, de algodão fino.
Outro tabu são os abraços e os beijos entre homens e mulheres, pois é considerado ofensivo fazê-lo em publico e pelo que temos visto é realmente muito raro ver gestos de afecto entre casais, mas nota-se alguma descontração neste aspecto em casais jovens oriundos dos meios urbanos. Entre homens este comportamento não é censurado, sendo muito frequente verem-se homens e rapazes a passearem de mão dada ou mesmo abraçados.
Também evitamos dizer que não somos casados, pois inicialmente quando o fazíamos tinhas uma reação um pouco estranha, e não vale a pena estar a criar situações para parecermos ainda mais diferentes; deve já ser suficientemente estranho para um indiano mais humilde que alguém com uma boa vida na europa, venha para um país pobre, deixando a sua família, os amigos e o emprego, carregando pesadas mochila, viajando de comboio nas classes mais baixas, dormindo em pensões baratas e vestindo roupa gasta e descolorida, que nada têm a ver com o padrão que têm da europa, nem tão pouco com a moda indiana. O facto de não termos religião também é um assunto difícil de abordar, num país em que os ritos religiosos fazem parte do dia-a-dia.
Contudo nota-se uma mudança nestes comportamentos, em especial nas camadas mais jovens e com mais dinheiro, oriundas dos meios urbanos, em que a atitude, a forma de vestir, e o comportamento em geral, em nada diferem do que conhecemos na europa. Vestem roupa de marca, têm cursos superiores, falam um inglês fluente, namoram nas ruas, bebem álcool, fumam, não são crentes, ou se o são, reservam a religião para ocasiões especiais. Fogem à imagem estereotipada dos indianos, pequenos e magros: são muitas vezes altos e robustos, já se notando os resultados de uma alimentação mais ocidentalizada à base de açucares e alimentos processados. Parece que antes da Índia conseguir ultrapassar os problemas de subnutrição terá que lidar com o problema da obesidade J
Apesar destas mudanças, o casamento continua a ser um marco importante na vida de uma pessoa, em especial para as mulheres, e o divórcio é ainda um tabu.
No jornal que às vezes lemos nos comboios, restaurantes ou cafés, o India Times, até agora o único periódico que encontramos em inglês, apresenta diariamente várias páginas dedicadas a anúncios de casamento, em que as famílias procuram noivo ou noiva para os seus filhos. A organização destes anúncios é bastante curiosa, pois está dividida por sexo, idade e religião, sendo frequentemente referidas as características físicas, o grau de escolaridade, a profissão e os rendimentos (estes dois tópicos mais para os homens) da pessoa que pretende casar, assim como as características desejadas para o noivo(a) que se procura. Deliciei-me a ler estes anúncios, pois já muitas vezes tinha por lá passado os olhos sem lhes dar atenção, mas não sei até que ponto representam a sociedade actual ou se são somente um resquício de um antigo costume de casamentos combinados.