Das muitas opções de trekking na região do Annapurna, cujas mais populares são Poon Hill, Around Annapurna (também conhecido por Annapurna Circuit) e Annapurna Base Camp (conhecido por ABC) optei pelo último que vai directo ao Annapurna Sanctuary, uma região acima dos 4000 metros de altitude rodeada pelo conjunto de montanhas entre as dez maiores do mundo, cujos picos mais representativos são o Annapurna South (7219m), o Annapurna I (8091m), Himchuli (6434m) e o Machhapuchhre (6997m), também conhecido por Fish Tail.
É nesta zona dos Himalayas que se situa a região sagrada para os Gurung, uma das etnias que habita as montanhas nepalesas.
A duração prevista para o trekking, incluindo a descida e a subida, é de 8 a 12 dias de caminhada, dependendo do numero de horas de caminhada diária, das condições meteorológicas, do estado do trilho, da condição física de cada um e da disponibilidade de tempo para encaixar esta actividade num curto período de férias.
Optando por uma solução mais económica decidi não recorrer a agências para organizarem o trekking e com muita confiança, decidi ir sem guia e sem carregador, pois das várias pessoas com quem falei, todas em garantiram que seria fácil e que não teria dificuldades de maior em me orientar.
E dia 21 de Setembro começa a aventura!
Dia 1#: Naya Pul (1070m) – Ghandruk (1940m)
Praticamente todos os trekking na região do Annapurna têm como base Pokhara, uma cidade situada junto a um pacífico lago, que se desenvolveu em função do turismo.
Daqui é necessário ir de autocarro, ou para quem se encontra num trekking organizado, num dos jeeps disponibilizados pelas agências, em direção a Naya Pul, povoação a partir da qual se pode seguir para o ABC ou para Poon Hill.
A primeira meia-hora é passada atravessando povoações até chegar a Birethani, onde se encontra o check-point que obriga à apresentação da documentação necessária, e onde oficialmente começa o trekking.
A manhã correu sem história, com o percurso sendo feito ao longo de uma estrada, poeirenta, sem grandes inclinações, mas que o sol se foi tornando mais penosa, assim como o constante passar de carrinhas de mercadorias e dos jeeps que transportam os caminhantes até à povoação de Kimche, onde termina a estrada.
Seguindo as indicações dos aldeões e das pessoas que ia encontrando na estrada, pensava dirigir-me para Ghandruk, mas apercebi-me que estava no caminho errado, a andar na direção oposta (no ultimo dia do trekking percebi finalmente que havia dois percursos para Ghandruk, e que afinal não estava no caminho errado).
Com a ajuda de alguns locais apanhei um autocarro, que liga Kimche a Pokhara, que me deixou novamente no caminho certo. Mas toda esta situação me fez perder um pouco da confiança que tinha de que não havia hipóteses de me perder pelos vários trilhos, como me foi garantido por várias pessoas, tendo passado a confirmar o percurso com cada pessoa que via. Foi numa destas ocasiões que encontrei um casal – Irina e Leon – com quem partilhei a minha aventura e que mais tarde no mesmo dia, voltei a encontrar e que num misto de admiração e surpresa quando souberam da minha intensão de fazer o percurso sem recuso a um guia ou carregador, me permitiram partilhar da sua companhia durante o resto do trekking.
Depois do almoço, um reconfortante daal bhat, o caminho foi mais agradável, por caminhos pedonais abrigados por árvores e vegetação, mas com muitos percursos de escadas, formadas por blocos de pedra. Toda a paisagem é verde, com pequenos aglomerados de casas anichadas nas encostas cujo vale é percorrido pelo rio Modi Khola, que irá ser a companhia e o ponto de referência de praticamente todo o percurso até ao Annapurna.
A primeira etapa terminou em Ghandruk, já perto das cinco da tarde, altura em que o denso nevoeiro rapidamente envolvia a povoação num luminosidade cinzenta e húmida, contrastando com o calor que se sentiu durante o dia, e que contribuiu para tornar este primeiro dia muito desgastante.





Dia 2#: Ghandruk (1940m) – Chhomrong (2140m)
Apesar de em altitude não ter havido grandes diferenças, o percurso obrigou a descer aos 1715m, antes de chegar a Kimrong Khola para atravessar o rio com o mesmo nomes, e que é um dos afluentes do Modi Khola, através de uma precária ponte que permite cruzar as águas que nesta altura do ano ocupam muito pouco do que é o leito do rio.
O inicio da manhã, pouco depois do sol se mostrar por trás das montanhas, é sempre a parte mais agradável do dia, pois o ar ainda está fresco e mesmo as subidas mais longas, que deixam o coração a bater forte contra o peito, não se tornam tão penosas.
Perto do meio-dia, já com o sol bem alto a aquecer a encosta do vale, deixando o rio Kimrong Khola para trás, inicia-se uma longa subida de mais de hora e meia, para atingir uma zona de vegetação mais densa, onde o caminho se embrenha na floresta de rododendros, com os seus troncos retorcidos cobertos de musgos, e têm que esperar pelos meses de Inverno para exibirem as suas características flores. Os bambus, aninhados uns contra os outros, rangem ao sabor do vento que tornou o percurso deste segundo dia mais agradável do que o anterior.
Chhomrong, rodeada de montanhas cobertas de impenetrável vegetação, onde nas zonas mais brandas surgem pequenos aglomerados de casas rodeados de campo de arroz, dispostos em socalcos, cujo verde claro se destaca na encosta escura da montanha; que apesar de se situar num ponto alto, não se consegue avistar daqui nenhum dos principais picos do Annapurna, que marcaram a manhã, em Ghandruk.
Com a aproximação do fim do dia, farrapos de nuvens, ocupam lentamente o vale, como se se estivessem a desprender do manto compacto que cobre o céu.







Dia 3#: Chhomrong (2140m) – Dovan (2505m)
Com o corpo a adaptar-se ao ritmo das cerca de sete a oito horas de caminhada diária, este terceiro dia decorreu suavemente, contribuindo também o facto de o percurso não ter apresentado grandes dificuldades, sendo marcado por descidas de grandes escadarias de pedra, com compactas nuvens brancas a taparem o sol, deixando esporadicamente ver o azul intenso do céu.
O ultimo troço do dia, entre Bamboo e Dovan, onde o caminho se foi gradualmente estreitando, tornando-se num trilho serpenteando no meio da floresta, obrigando a contornar troncos de árvores cujas raízes expostas se destacam no chão de onde despontam blocos de pedra, atravessando pequenos riachos que muitas vezes deslizavam ao longo do caminho, perdendo-se na encosta ao encontrarem um brecha por onde desaparecer.
Foi até agora a parte mais bonita do percurso, com bambus e rododendros formando uma intrincada floresta, cuja luz dificilmente penetra, tornando-a sombria e húmida, mas ao mesmo tempo criando com uma atmosfera mágica e onírica, com feixes de luz solar a atravessar a compacta folhagem indo pontualmente iluminar fetos que se agitam com as gotas de água que se desprendem da copa das árvores. Tirando os insectos, com os seu zumbido incessante, pouca vida animal se avista por aqui.
A temperatura é nitidamente mais baixa, o que se nota quando se pára para descansar, e se sente o frio do suor que ensopa a roupa e que rapidamente arrefece a pele.
Dovan, é uma paragem fria e húmida, com nuvens a formarem-se com a evaporação da água que se desprende do solo e das árvores. Desde Sinuwa que se deixaram de ver campos de cultivo ou aldeias, sendo Dovan não mais do que um conjunto de guest houses de apoio as caminhantes, não só aos trekkers mas também à população e aos carregadores que transportam mercadorias para os postos mais altos do percurso, onde não é possível a agricultura e onde são interditos os animais de carga, por se a região considerada sagrada dos Gurung.







Dia 4#: Dovan (2505m) – Machapuchre Base Camp (3700m)
A chegada a Machapuchre, o ultimo posto antes do Annapurna Base Camp, foi pelas três da tarde, mas o nevoeiro que em espessas camadas ia ocupando velozmente todo vale, envolvendo rapidamente o Machapuchre Base Camp (muitas vezes designado por MBC) e o conjunto de guest houses aninhadas na zona mais suave da encosta, criando um ambiente fantasmagórico onde o único som vem do rio que tumultuosamente corre lá em baixo, fora do alcance da vista, contribuindo para a sensação de isolamento que aqui se sente, antecipando a noite e entrando a humidade no corpo.
A saída de Dovan, como sempre de manhã cedo, foi feita ainda pela floresta, onde a humidade se foi intensificando, e por onde o trilho avançava sujeito a ligeiras subidas e descidas, atravessados por pequenos riachos, e onde a atenção se deteve perante a agitação provocado por um conjunto de langures, cujas longas caudas e focinho negro dificilmente se identificavam no emaranhado de troncos das árvores mais altas.
À medida que subíamos em altitude, passando o posto de Himalaya em direção a Deurali, o vale foi ficando cada vez mais estreito com o rio Modi Khola a ganhar velocidade, alimentado pelas muitas cascatas que se desprendem verticalmente a centenas de metros de altitude do topo das montanhas, tornando as suas águas acastanhadas e fazendo aumentar o seu rugido que se sobrepõem a todos os outros sons.
As ultimas horas do trajecto foram agravadas pelo esforço que é caminhar acima dos 3000 metros de altitude, obrigando a encurtar o passo e a abrandar o ritmo em particular nos várias zonas de degraus, construídos toscamente em pedra por mão humana, de forma a não se sentir os efeitos da altitude. As paragens para descansar tornaram-se cada vez mais curtas pois o frio rapidamente tornava o suor que envolvia a pele e a roupa numa humidade doentia. A chuva marcou presença, mas por sorte coincidiu com uma das paragens para descanso em Deurali.
Com a noite, a sala de refeições da guest house encheu-se de vozes e dos vapores da comida, transmitindo algum conforto aquecido pelo chá de gengibre, servido em fumegantes canecas metálicas.
À medida que se avança pelo vale em direção a norte, as montanhas adquirem uma beleza cada vez mais intensa; por muito difícil que seja o percurso, estes são os momentos que preenchem os sentidos e que compensam o esforço que se exige ao corpo, sujeitando-o a um ritmo intenso e às condições de temperatura e altitude a que não está habituado. Mas nada se compara com esta beleza: selvagem, abrupta, insondável e dominadora que se mantem impávida aos que se aventuram nas suas encostas, com a humildade devida a estes gigantes de pedra.












Dia 5#: Machapuchre Base Camp (3700m) – Annapuna Base Camp (4130m) – Dovan (2505m)
Avizinha-se um dia longo, com inicio pelas 4h, ainda sob o manto da noite que a lua em quarto minguante debilmente ilumina, para fazer as duas ultimas horas de percurso até ao Annapurna Base Camp e chegar a tempo de ver o nascer do dia.
O percurso nocturno, apesar da violência que foi sair tão cedo da cama ainda para mais com o frio característico das grande altitudes, teve a sua dose de mística, com a paisagem envolta em sombras formadas pela frágil lua, que se destacava num céu limpo de nuvens.
O Annapurna Base Camp, que funciona como ponto de partida para escalar os vários picos que constituem o Annapurna, representa o fim do percurso para quem se encontra a fazer o trekking. Daqui têm-se a visão dos principais picos: Annapurna South, Annapurna I e do lado oposto, ainda na sombra da noite fica o Fish Tail, cujo nome corresponde à forma criada pelos dois picos mais altos, que de alguns ângulos se assemelha ao rabo de um peixe.
Mas em poucos minutos, praticamente toda a paisagem ficou encoberta pelas nuvens que pontualmente iam criando clareiras que deixavam ver as encostas das montanhas cobertas de espessa neve iluminadas pelo sol da manhã, mas sem nunca se conseguir ter uma visão global de todos os picos.
O cortante ar gélido que se desprende do Glaciar Sul do Annapurna, visível por alguns momentos, com a sua massa azulada e brilhante, torna a permanência no Annapurna Base Camp penosa, fazendo enregelar o corpo, em especial para quem não ia preparado para tais temperaturas, em que uma luvas fazem muita diferença.
Após cerca de uma hora de espera por melhores condições de visibilidade, iniciou-se a descida novamente rumo ao MBC, com a paisagem dominada pela vegetação rasteira que cobre em tufos todo a vale, ficando gradualmente menos nublada e com o sol a brilhar sob a neve que cobre as montanhas, conferindo ao céu um azul intenso, proporcionando as melhores imagens do Annapuna South, o pico mais alto e o que se destaca de todo o conjunto.
Durante a descida começou a notar-se algum cansaço, devido ao acumular dos dias de caminhada e às poucas horas de descanso da noite anterior, mas o caminho não apresentava grandes dificuldades até Bamboo, local previsto para pernoitar. De amanhã, alguns pingos de chuva foram marcando presença, sem contudo criarem preocupação, pois são frequentes na zona mais alta da floresta; mas em poucos instantes um nevoeiro maciço penetrou pelo vale invadindo a floresta, tornando a escurecendo a manhã quase como se fosse o anoitecer, aumentando o humidade e o frio, adensando o ambiente misterioso que envolve o trilho, mas que gradualmente se foi tornando sinistro e ameaçador, trazendo consigo grossos pingos de chuva fria.
Com a chuva a cair forte, rapidamente os riachos que nos dias anteriores pareceram encantadores se transformaram em verdadeiros obstáculos difíceis de evitar, obrigando a mergulhar os pés na água, que aos poucos ia enlameado o trilho. Algumas da linhas de água que atravessei na subida, pisando com cuidado as pedras que alguém colocou ao longo do caminho, estavam agora praticamente cobertas pelo aumento do caudal, obrigando a seguir outro trilho para alcançar uma tosca e escorregadia ponte feita de troncos de árvore e de bambus.
Todo o percurso entre Himalaya e Dovan, um dos mais bonitos e fáceis, foi feito em passo acelerado, tornou-se mais arriscado com a presença da chuva, que em cerca de uma hora deixou a roupa e os sapatos ensopados, que com o frio e a humidade se tronam impossíveis de secar.
















Dia 6#: Dovan (2505m) – Jhinu Dando (1710m)
O dia amanheceu limpo, sem nuvens e sem vestígios da chuva que no dia anterior atormentou os vários caminhantes e obrigou a encurtar o percurso, dormindo em Dovan, em vez de Himalaya.
Foi um percurso descontraído, continuando pela floresta, cujos riachos e linhas de água mostravam ainda a força da tempestade do dia anterior, com a temperatura a tornar-se ligeiramente mais amena e com a paisagem gradualmente a ganhar presença humana, com casas, animais e campos cultivados, sendo esta diferença mais nítida depois de Sinuwa, que marca o fim da densa e húmida floresta de bambus e rododendros. A agricultura nesta zona dos Himalayas e predominantemente de arroz, cultivado em sucalcos, mas de uma variedade que não necessita de estar em terrenos submerso de água; surgem esporádicas hortas de vegetais couves e espinafres, mas pouco mais se planta nesta altura do ano, tendo que a maior parte dos alimentos vir de Pokhara ou de outras zonas de menor altitude.
Pela manhã, os carregadores que ascendem pelo trilho trazem consigo o cheiro das fogueiras com que na noite anterior se aqueceram, enquanto partilham histórias entre rizadas e copos de “raksi”, uma aguardente produzida localmente.
Apesar de ainda faltar mais um dia de caminhada, começa-se a crescer um sentimento de despedida e uma certa tristeza por abandonar estas montanhas que proporcionaram intensas e marcantes emoções.


Dia 7#: Jhinu Dando (1710m) – Kimche (1550m)
O ultimo dia, apesar de ser o que apresentava menos horas de caminhada, foi onde senti mais dificuldades com o corpo a mostrar sinais de cansaço agravado com o calor que se sente durante o dia nas zonas de menos altitude, tendo tido mesmo dificuldades de acompanhar o ritmo da Irina e do Leon, com que partilhei toda esta aventura ao longo de sete dias.
É nas zonas mais habitadas que o percurso se torna mais confuso, não só por existirem vários caminhos possíveis como também por se encontraram alguns trilhos que se desviam para os campos de cultivo. Por todo o lado nos cruzamos com vacas que indiferentes aos caminhantes devoram as ervas que crescem ao longo dos caminhos e entre as pedras dos muros, e com mulas que são usados para transporte de mercadoria até Sinuwa, deixando atrás de si um rasto de dejetos que se mistura com o odor das ervas frescas que os habitantes transportam à costas em pesados fardos para alimento dos animais.
Em Jinhu, conhecida pelas suas nascentes de água quente onde se pode tomar banho, houve tempo para relaxar, mas já não houve coragem para descer até às nascentes que se situam no fundo do vale a meia hora de caminho.
O regresso a Pokhara foi abrupto, com o silêncio e a cala da montanha a serem rapidamente substituídos por uma agitada viagem de Jeep de Kimche até Naya Pul, com o seu bazar barulhento e as ruas cheias de pó, e daí mais duas horas de autocarro até à cidade de Pokhara.


Epílogo
Este como outros trekking que fiz, foi um esforço brutal, onde várias vezes pensei “o que é que eu estou a fazer à minha vida, enquanto podia estar sentada no sofá a ver televisão?!?!”… mas que no fundo sei bem que vale sempre a pena!
Foram sete dias, sendo que o ultimo só durou as primeiras horas da manhã, onde as cerca de 7 a 8 horas de caminhada diária foi excessivo para a minha condição física, tendo em conta o peso que transportava; seria preferível ter demorado mais dois ou três dias. Valia a pena ter ficado mais umas horas em ABC para obter melhores imagens do Annapurna, visto que este era o objectivo de todo o percurso, mas citando uma frase que retive “não é o objetivo que importa, mas sim o percurso que se faz para lá chegar”!
A ideia de fazer o ABC sem guia ou carregador, e em particular sem companhia, não foi o mais acertado, pois nesta altura do ano (meados de Setembro) ainda não é o pico da época alta e o numero de trekkers não é assim tão elevado, o que fez com que não me tivesse cruzado com ninguém no primeiro dia durante a parte inicial do caminho; no regresso contatei que o numero de pessoas a iniciar a subida, curiosamente pelo mesmo horário, era de várias dezenas…
Contudo fazer o ABC fora da época alta tem a vantagem de não haver problema em encontrar quarto nas guest houses, que têm a fama de ficarem cheias e de ser necessário passar a noite nas várias camas que existem no interior dos restaurantes.
Mas sempre que virem imagens de gente sorridente e com ar descontraído a anunciarem trekking pelas montanhas… é tudo falso!!! Durante estas caminhadas longas e fisicamente exigentes, poucas são as ocasiões para sorrir. Em vez disso vêm-se corpos vergados sob o peso das mochilas, do cansaço e da altitude, pés pesados atirados contra o chão, rostos vermelhos do esforço, cabelo colado ao rosto do suor, o cheiro dos corpos, músculos doridos que por mais alongamentos que se façam parecem pedra sempre que arrefecem durante uma qualquer pousa para descanso… este é o aspecto de quem anda quilómetros, por trilhos que penetram em regiões de difícil acesso, de mochila às costas em condições adversas, tornando lúdica uma actividade que as populações das montanhas conhecem como o seu dia-a-dia e que é indispensável à sua subsistência.
São demasiado exigentes para quem não tem boa preparação física, roubando parte do prazer que se poderia desfrutar, fazendo com que o esforço se torne demasiado penoso deixando para segundo plano o desfrute da paisagem, pois as características dos trilhos obrigam a focar a atenção no caminho, às vezes traiçoeiro, para escolher bem onde se põem os pés.
Mas quem já passou por esta experiência sabe que há muito mais do que só admirar a paisagem; há um secreto desafio individual de superar os nosso limites, e acima de tudo as caminhadas que penetram fundo na natureza obrigam-nos a permanecer durante algum tempo isolados, proporcionado momentos de introspecção em que “caminhamos” interiormente e nos vemos confrontados com intermináveis pensamentos e sensações.
Mergulhar as mãos, nas águas frias de um riacho que se cruza no nosso percurso, enquanto o sol aquece as costas expostas ao sol, e deixá-las lá saboreando a cortante sensação do frio da água, que gradualmente as vão tornando brancas, ouvindo o marulhar das águas e o chilrear de alguma ave que pousa por perto, fazendo abanar os frágeis ramos dos arbustos… dando tempo para absorver as sensações mais primitivas em pleno desfrute da simplicidade da natureza, que só em locais como estes podem ser sentidas com tanta intensidade.
Estes percursos intensificam as sensações, despertam os sentidos, predispondo-nos para a contemplação do nosso interior.

Itinerário completo:
Ida:
- Naya Pul (1070m)
- Birethanti (1025m)
- Chimrong (1120m)
- Syauli Bazar (1180m)
- Kimche (1550m)
- Ghandruk (1940m)
- Komorong Danda (2100m)
- Kimrong Khola (1715m)
- Chhomrong (2340m)
- Sinuwa (2340m)
- Bamboo (2335m)
- Dovan (2505m)
- Himalaya (2920m)
- Deurali (3230m)
- Machapuchre Base Camp (3700m)
- Annapurna Base Camp (4130m)
Volta:
- Machapuchre Base Camp (3700m)
- Deurali (3230m)
- Himalaya (2920m)
- Dovan (2505m)
- Bamboo (2335m)
- Sinuwa (2340m)
- Chhomrong (2340m)
- Jhinu Dando (1710m)
- Kimche (1550m)
Um obrigado especial ao meu amigo Zé Pedro, pelo incentivo e pelas dicas que me deu; e também ao Nuno Oliveira pela ajuda homeopática a esta caminhada!