Lumbini não é mais do que uma pequena povoação, que se desenvolve ao longo de uma rua, e que proporciona alojamento, restaurantes, bancos e postos de internet aos turistas que aqui vêm. Optei por ficar alojada fora da povoação, no interior do recinto construído com o intuído de reunir diversos templos e preservar e valorizar o espaço em volta deste local, sagrado para os mais de um bilião de budistas.
De noite, ainda sobre o efeito da diferença horária que não me permite equilibrar os horários do sono, oiço o silêncio a ser ocupado pelo incessante cantar das cigarras e pelo coaxar das rãs, ao qual à vezes se sobrepõe o misto de uivos com riso escarninho de uns animais selvagens que por aqui vagueiam, um misto de cão e hiena. Reina uma calma absoluta apesar de todas estas manifestações da natureza.
Praticamente não circulam veículos motorizados pelo recinto, sendo a única forma de transporte a bicicleta ou os rickshaws, ou para os mais corajosos o caminhar a pé, que se é desencorajador pelo calor e pelas poucas árvores que se encontram junto aos caminhos que serpenteiam o parque. À volta, estendem-se vastas planícies de arrozais, recém plantados, que nesta altura se apresentam de um verde brilhante.
Os dias foram passando calmamente, com passeios de bicicleta de manhã ou ao fim da tarde de forma a evitar o calor que torna os dias quase insuportáveis, explorando o parque que alberga mosteiros, templos, pagodas e stupas, construídos por diversos países, assim com um centro de meditação Vipassana e instituições culturais; uma área de aproximadamente dose quilómetros quadrados, densamente arborizada em torno de lagos e zonas pantanosas, disposta em volta do Jardim Sagrado, local onde se encontra a Maya Devi Mandir que corresponde ao local onde Buddha nasceu, na altura com o nome de Siddhartha Gautama, aproximadamente no anos 543 AC.
Lumbini, juntamente com Bodh Gaya, Sarnath e Kushinagar são locais sagrados para os budistas, correspondendo respectivamente aos locais onde Buddha atingiu a iluminação, onde deu o primeiro sermão e onde deixou a sua existência terrena. Em Bodh Gaya junto à árvore de “bodhi” esteve em meditação até atingir a iluminação, morrendo ao fim de 49 dias, deixando de ser Siddhartha, tornando-se Buddha e libertando-se dos ciclos de nascimento e morte.
“After I am no more, Ananda! Men of belief will visit this faitful curiosity and devotion to the four places – where I was born… attained enlightenment… gave the first sermons… and passed into Nirvana” The Buddha (543-463 AC).
Como se costuma dizer: “ninguém é profeta na sua terra”, Buddha passou praticamente toda a sua vida no norte da Índia, sendo Lumbini o único dos quatro locais sagrados que se localiza no Nepal. Para os hindus, Buddha é visto como a sétima incarnação de Vishnu, sendo por isso objecto de culto e de festividades juntamente com o restante panteão de deuses e deusas do hinduísmo.
Com o fim da monção, as regiões no sopé dos Himalaias, voltam ao calor e á humidade típicos do clima sub-tropical. Durante a maior parte do dia o corpo é invadido por um torpor que se alastra ao espírito, fazendo com que a mente se dissipe, entregando-se somente ao som incessante das cigarras e dos grilos que enchem o ar. A humidade impede que o suor que constantemente escorre pela pele, mesmo quando o corpo está imóvel, seque e vá ensopando a roupa, colando-a ao corpo e encarquilhando as páginas do livro que pousa preguiçosamente entre as mãos.
Nem ao fim do dia, que lentamente vai fundindo os contornos das árvores no negro da noite, trás algum alívio ao peso do calor. Enquanto do interior do templo, iluminado por pequenas velas e lamparina, saem os rítmicos cânticos das orações proferidas pelos monges budistas, morcegos atravessam os espaço trazendo nas suas asas o silêncio, enquanto cá fora cresce o som das cigarras e do coaxar das rãs, criando uma sinfonia perfeita para uma noite quente.
No Mosteiro Coreano, os dias são passados a um ritmo lento, marcado pelas refeições e pelas orações no templo, que são sempre anunciadas pelo toque do sino. Pelas cinco da manhã, ainda antes do nascer do sol, ouve-se o chamamento para as orações, que marcam o início do dia, já com o despontar da luz a dar volume e côr ao enorme e maciço edifício de betão que constitui o templo, onde antes somente se via o seu volume negro recortado contra o azule escuto do céu nocturno.
O pequeno-almoço é servido pontualmente às seis horas no alpendre de um dos edifícios que servem de alojamento aos monges e também a quem se encontra de visita, em camaratas de quatro pessoas ou em quartos individuais para quem permanece por longas temporadas. Tanto esta primeira refeição como almoço e o jantar, servidos pelas 11.30 e pelas 6h, respectivamente, não apresentam variações em termos de comida: pickle de couve, uma leve sopa de lentilhas e um desanimado estufado de vegetais, que alternou entre, batata, beringela, tomate, curgete, feijão verde e quiabos, sempre a acompanhar com arroz cozido em panela de pressão, que lhe confere uma consistência maciça e compacta… uma desilusão depois da rica comida indiana e que não constitui um bom cartão de visita para a comida nepalesa. Mas há que reconhecer que se trata de um mosteiro, onde o propósito não é a comida e onde se pode ficar alojado por umas modestas 300 rupias nepalesas, cerca de 2.25€, incluindo as três refeições.
O ambiente é calmo e organizado, mesmo tendo em conta as mais de trinta pessoas que aqui estão alojadas, mas estes quatro dias passados em Lumbini deixaram-me com a sensação de que ainda não estou no Nepal.