Indicações.
Por muitos mapas que se usem… por muitos guias que se consultem… acaba sempre por ser necessário, para quem anda em viagem, perguntar aos habitantes locais um caminho, a localização da estação de comboios, do terminal de autocarros, onde se pode apanhar o autocarro (pois é raro os locais de paragem estarem identificados), onde fica um templo, um hotel ou uma guest house, um restaurante…
Aqui na Índia estas perguntas têm geralmente uma resposta vaga, um gesto impreciso a indicar uma direcção e algumas palavras pouco perceptíveis a completar a resposta, o que muitas vezes obriga a fazer a mesma pergunta várias vezes, ou caminhar em direções opostas até chegar ao destino pretendido, mesmo quando se está à procura de algo que se situa a curta distância ou que e um local muito conhecido.
Em Leh, por exemplo perguntamos a um polícia (erro crasso… geralmente falam muito pouco inglês) pela estação de autocarros, que se situa dentro da cidade, sendo de certo conhecida por todos os habitantes, pois e de lá que chegam e partem praticamente todas as ligações para as cidades e povoações vizinhas. Depois de muito pensar, e olhando desorientadamente em várias direções, disse-nos que o melhor era apanhar-mos um tuk-tuk, pois ainda ficava longe, o que parecia dificultar a explicação do caminho que devíamos seguir. Com paciência lá obtivemos a direção a tomar, pois estávamos decididos a ir a pé, pois entretanto encontrámos a placa que indicava o terminal de autocarros; descemos a rua e em menos de dez minutos chegamos onde queríamos!
Público vs Privado
Os indianos são conhecidos pelo seu pudor em mostrar o corpo em público, o que se torna bem evidente junto das praias, onde se banham integralmente vestidos e com a mesma roupa que usam no dia a dia.
Contudo, atividades que para nós, ocidentais, são consideradas do foro privado, como lavar os dentes, tomar banho, cortar as unhas, lavar e pentear o cabelo, etc… são aqui executadas na rua, ou em outros locais públicos sem o mínimo de constrangimento. Em algumas cidades vêem-se barbeiros a cortar o cabelo e a fazer a barba a clientes sentados em cadeiras em plena rua, protegidos pela sombra de alguma árvore, alheios ao frenético movimento que os envolve.
A passagem de comboio pelos subúrbios de uma cidade indiana, em especial quando coincide com o inicio do dia e sempre presenteada com a imagem de inúmeros indivíduos que aproveitam a proximidade da linha para urinar ou defecar, enquanto olham alheadamente para o comboio a passar, como se o caminho de ferro marcasse o limite do seu mundo e partir dessa linha nada mais houvesse.
Uma das coisas com que ainda me surpreendo e com o arrotar, que aqui e feito sem a mínima descrição ou embaraço…. Don’t panic… is only organic!
Abaixo de cão
Somente aqui na Índia dei o devido valor a esta portuguesa expressão. Realmente pouco mais existe abaixo do que a vida que os cães aqui levam e a forma da como são tratados.
Exceção são os cães que vi no norte do país, em especial nas zonas montanhosas do estado de Himachal Pradesh, onde têm melhor aspecto espelhando a qualidade de vida que aí se tem.
Praticamente todos os cães na Índia são vadios e encontram-se espalhados pelas ruas das cidades, dormindo praticamente todo o dia, nas sarjetas, valas, nos mais estranhos locais e nas mais bizarras posições, para de noite ocuparem as ruas com os seus latidos, em matilhas ferozes.
Vagueiam pelas ruas, tímidos assustados,alimentando-se à base do lixo espalhado pelas cidades, ou de restos de comida que é diariamente despejada nas ruas ou próximo de contentores do lixo, local que serve também de alimento às vacas, cabras, búfalos, macacos e às gralhas.
São quase sempre animais sem dono: magros, estropiados, sujos, muitas vezes com feridas profundas, doentes ou mesmo próximo da morte. São repelidos pelos muçulmanos pois os cães não são bem vistos segundo o Alcorão; os hindus geralmente não os tratam mal, mas não lhes oferecem mais do que indiferença.
Não sei se existe mais alguma coisa abaixo dos cães, mas vêem-se por aqui pessoas que levam uma vida que aparentam estar ao mesmo nível destes animais, sem terem melhores condições de vida ou de tratamento.
Línguas
Segundo um estudo recentemente desenvolvido pela “People’s Linguistic Survey of India”, foram identificadas no território indiano 780 línguas e 66 escritas diferentes, isto considerando somente línguas faladas ou escritas por mais de 10 mil pessoas.
O estado do Arunachal Pradesh, situado no nordeste da Índia, entre o Tibete e a Birmânia, é o que apresenta maior riqueza linguística, com 90 línguas diferentes, seguido dos estados de Assam, Gujarat, Maharashtra e West Bengal. O nordeste do país regista uma das mais elevadas diversidade de línguas do mundo, proporcionalmente à população, dado tratarem-se de regiões montanhosas, de difícil acessibilidade, onde ainda existem muitas tribos e comunidades nómadas.
Alguma desta diversidade linguística está espelhada nas notas, onde o valor facial aparece escrito por extenso com 15 línguas e grafias diferentes, para além do inglês e do “hindi” escrito nos correspondentes caracteres devanagri.
O “hindi”, apesar de ter sido adoptado como língua oficial da Índia em 1950, não é falado em todo o país: no sul, nos estados de Tamil Nadu, Goa e Kerala mantêm-se fortemente enraizadas as línguas locais.
Quando cheguei a Tamil Nadu, deparei-me com uma língua e com uma escrita totalmente diferente, o “tamil”, semelhante ao que se fala no Sri Lanka, e contatei que pouca gente fala ou compreende o “hindi”; no estado de Jammu e Kashmir, falam o “kashmiri”, semelhante ao “urdu”, língua oficial do vizinho Paquistão, e que se escreve com caracteres árabes; em Leh, assim como em toda a região do Ladakh, fala-se o “ladakhi” que deriva da língua tibetana, tanto na fonética como na escrita.
A juntar toda esta manta de retalhos existe o inglês, que aparece muitas vezes a acompanhar a escrita local, e que e mais ou menos falado por quase toda a gente… na maior parte dos casos, somente palavras isoladas, ou frases decoradas, sendo raro encontrar pessoas com quem se possa ter uma conversa mais aprofundada para além das habituais perguntas: “what is you good name?”, “where are you from?”, “how much time in India?”, “what is your job?”, “how old are you?”, “do you like India?”
A população urbana e mais jovem fala inglês com fluência, e muitas das aulas nas universidades são dadas nesta língua. As pessoas que conheci de Delhi e de Mumbai, expressam-se fluentemente em inglês, mesmo quando conversam entre eles na presença de estrangeiros. E também esta língua usada pelos outros indianos, quando visitam o sul do país, concretamente Kerala e Tamil Nadu, pois aqui a maior parte das pessoas não fala “hindi”… nem quer ouvir falar, pois são extremamente orgulhosos da sua diferença cultural que os torna bem destintos dos habitantes dos restantes estados.
Em Pondicherry, antiga colónia francesa onde ainda hoje é bem evidente a influência francófona, encontram-se vários indianos a falar fluentemente francês, tanto com os turistas como entre si… em especial as pessoas mais velhas! Alguns indianos vem propositadamente para esta cidade para estudarem e praticarem a língua francesa nas várias escolas existentes como a Alliance Françaises. Coisa que em Goa, não acontece com o português… que pouco mais se encontra do que no apelido de algumas famílias, no nome de algumas ruas e em alguns pratos tradicionais.
Pobreza
Segundo um artigo publicado no jornal diário publicado na língua inglesa “The Hindu” em Julho deste ano, o número de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza na Índia e estimado em 217 milhões nas zonas rurais e em 52 milhões em áreas urbanas.
Contudo verifica-se um decréscimo geral dos níveis de pobreza, em comparação com os anos de 2004/05, de cerca de 21%, sendo esta diminuição mais significativa nas zonas rurais, onde a percentagem de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza passou de 42% para 26%, em 2011/12.
Em termos de zonas urbanas, os estados de Sikim, Goa, Tamil Nadu e Andhra Pradesh, foram os que apresentaram os valores mais baixos em termos de pobreza, nos meios urbanos.
Contudo a realidade que se observa é bem diferente… nos meios rurais a pobreza e menos evidente, apesar de a maior parte das pessoas viver da agricultura e do gado, vivendo muitas vezes em casas rústicas, muitas ainda mantendo a construção tradicional e com condições básicas de abastecimento de água e de saneamento…mas não se vêm pedintes ou pessoas a dormir nas ruas.
Nas cidades a situação é bem diferente, com os superlotados subúrbios a abarrotar de casas semi-construídas, degradadas, barracas construídas com plásticos e madeiras, junto a lixeiras e a ribeiras imundas devido a esgotos domésticos e industriais. Por baixo de viadutos é frequente verem-se pessoas a dormir, partilhando o espaço com cães, vacas e ratazanas; muitos dormindo no chão, sem qualquer abrigo ou proteção, e transportando todos os seus pertences consigo, que pouco mais espaço ocupam do que um saco ou dois sacos.
A maior parte das pessoas que mendiga pelas ruas das cidades são mulheres com crianças, deficientes e idosos, pois na Índia não existe um sistema de assistência social que dê apoio a quem não pode trabalhar. É bastante frequente verem-se pessoas que aparentam ter muita idade, por vezes com evidentes dificuldades em se movimentarem a trabalhar, varrendo ruas, conduzindo richshaws, carregando mercadorias, limpando mesas de restaurantes, vendendo frutas e legumes ao longo das ruas e em mercados… Os deficientes são em grande número se comparamos com os países ocidentais, não tanto em resultado de acidentes mas aparentemente devido a malformações genéticas e ou a doenças.
Por onde andei, somente em Varanasi e no sul da Índia, em Tamil Nadu, é que o número de pessoas a dormir e a mendigar nas ruas se tornou bastante evidente, ultrapassando as habituais zonas que envolvem os templos, e abordando directamente, e as vezes com alguma insistência, quem passa, em especial os estrangeiros; em Leh e Srinagar, no estado de Jammu e Kashmir, praticamente não havia mendigos nem tão pouco me apercebi de pessoas a dormir nas ruas.
Curiosamente, em Pondicherry, talvez a cidade mais bem conservada, limpa e organizada, por onde passei, e sem dúvida a que oferece melhor qualidade de vida, vêm-se bastantes mendigos e pessoas a viver na rua, uns dormindo em jardins outros em abrigos precários construídos em ruas menos movimentadas. Também foi aqui que encontrei instituições destinadas ao apoio dos mais pobres, maioritariamente geridas pelas várias instituições religiosas de inspiração cristã; noutras partes do país vê-se por vezes a distribuição de comida, de manhã muito cedo, junto aos principais templos hindus.
Para além da mendicidade, a pobreza também transparece através do trabalho infantil, muitas vezes com crianças ajudar em negócios de família ou na agricultura, em horários nem sempre compatíveis com a ida à escola.
A propósito de pobreza, transcrevo uma frase escrita por Mark Twain, aquando de uma viagem de três meses que fez a Índia em 1895: “olhando para os mais pobres, das mais pobres e superpovoadas cidades, a vida de uma vaca na Índia parece ser mais sagrada do que a via humana”.