Do muito que a cidade de Pondicherry tem para oferecer, e por muito que os franceses se esforcem por fazer sobressair a sua cultura num pequeno território do sul da Índia, uma coisa não passa despercebida, mesmo a quem aqui fica por pouco tempo: Sri Aurobindo e a ”The Mother”.
As suas fotografias e símbolos estão espalhados por toda a cidade, em lojas, restaurantes, edifícios, no nome das ruas, no desenho dos portões das casas, em anéis, pendentes de fios e outros adornos, em autocolantes colados em carros e tuk-tuks….
O símbolo da “The Mother” é constituído um círculo, no centro do qual está desenhada uma flor estilizada de quatro pétalas, à volta da qual se encontram outras doze pétalas, representando os poderes da “The Mother”. O Sri Aurobindo é representado por dois triângulos que sobrepostos formam uma estrela de seis pontas, no centro da qual se encontra uma flor de lótus.
Um pouco de história para entender este fenómeno… Sri Aurobindo nasceu em Calcutá no fim do século IXX, no seio de uma família abastada, tendo estudado em Inglaterra desde os 7 anos de idade. Mais tarde paralelamente a uma carreira como professor tornou-se um dos pensadores que esteve por trás do movimento anti-colonialista e independentista que levou à saída dos ingleses da Índia. Entretanto ao longo da sua vida foi tendo várias experiências místicas que o levaram a aprofundar o caminho da espiritualidade através do contacto com vários gurus e da prática de yoga*, sem contudo abandonar a política. Em 1914 estabeleceu-se em Pondicherry onde fundou um ashram para acolhimento dos seus seguidores e onde residiu até à data da sua morte em 1950, com 78 anos.
Em 1914, aquando de uma visita a Pondicherry, uma francesa chamada Mirra Alfassa, a quem mais tarde foi atriuído o nome “The Mother”, artista nascida em Paris no seio de famílias ricas, que desde a infância era acompanhada de visões e de misticismo, viu no Sri Aurobindo, a encarnação das suas visões, tendo-se tornado sua discípula e companheira espiritual. Desde então, “The Mother”, em quem Sri Aurobindo via a encarnação da Mãe Divina, foi a responsável pela criação do ashram, para receber e abrigar o crescente numero de seguidores da filosofia do Sri Aurobindo, que se juntavam para ouvir os seus ensinamento e assistir às meditações, “promovendo o auto-desenvolvimento pelo qual cada um possa descobrir o seu próprio Ser e expandir uma consciência superior, espiritual e supra-mental, que irá transformar e divinizar a natureza humana” (retirado do livro “Sri Aurobindo on Himself”).
Com a morte do Sri Aurobindo, foi a “The Mother” que até 1973, ano em que morreu com 95 anos, criou e desenvolveu grande parte da estrutura que existe em Pondicherry associada ao ashram, actualmente administrada pelo Sri Aurobindo Ashram Trust, como escolas, instalações desportivas, infantários, casas de repouso, hospitais tanto de medicina ayurvédica como alopática, biblioteca, laboratório de fotografia, agência de viagem, restaurante, tipografia… e uma quinta nos arredores da cidade que fornece grande parte dos alimentos servidos na cantina, destinada aos funcionários e a quem se encontra alojado nas instalações do ashram.
De salientar que esta prática de yoga não se refere ao que habitualmente está associado a esta palavra, resumindo-se a uma espécie de rendição e de entrega perante a vida, e onde a prática de meditação, que dura cerca de quinze minutos, é somente uma pequena parte do processo, não obedece sequer a nenhuma técnica ou método.
Foi também a “The Mother”” que criou o conceito de Auroville, cidade situada a poucos quilómetros a norte de Pondichery, cuja construção se iniciou em 1968, com o intuito de congregar uma comunidade internacional empenhada no desenvolvimento harmonioso de uma sociedade acima de questões politicas e religiosas.
Paralelemente existem várias oficinas de madeira, papel, têxteis, fotografia, cabedal, utensílios de alumínio, batik, perfumes, etc… cuja produção enche as 17 lojas que pertencem ao ashram, espalhadas pela zona histórica de Pondicherry, satisfazendo o gosto do turista ocidental, mas também destinadas aos seguidores, como é o caso das livrarias que reúnem as obras escritas pela “The Mother” e principalmente as publicações dos textos do Sri Aurobindo, e das lojas de venda de fotografias das duas personalidades que são uma presença constante em toda a cidade.
Para dar apoio ao crescente número de visitantes foram sendo criadas várias guest houses, cerca de dezoito, exploradas por privados mas que seguem a mesma filosofia e as regras do ashram, fornecendo alojamento a preços inferiores aos praticados nos restantes hotéis da cidade.
Toda esta estrutura torna a Sri Aurobindo Ashram Trust a maior detentora do património imobiliário de Pondicherry, o que facilmente se pode comprovar pelo grande numero de edifícios pintados de cinzento e branco que caracterizam as instalações associadas ao ashram, que se encontram por todo a parte antiga da cidade. Graças a isto, muito dos edifícios antigos são mantidos em funcionamento e em bom estado de conservação contribuído para preservação do património e do ambiente colonial que caracteriza Pondicherry.
Pelo número de pessoas que trabalha nos vários departamento desta instituição, a Sri Aurobindo Ashram Trust deve também se o maior empregador de mão de obra na zona histórica cidade!
De uma forma mais ou menos evidente, o símbolo do Sri Aurobindo e da “The Mother” encontra-se espalhado por toda a cidade… no desenho dos portões das casas, em placas que identificam uma instituição, onde o texto aparece escrito com a caligrafia da “The Mother” ou do Aurobindo, em pequenas placas a entrada das casas…
Aproveitei para visitar o Ashram se encontram os túmulos do Sri Aurobindo e da “The Mother”, durante a meditação colectiva que se realiza diariamente no local, ao fim do dia, depois do pôr do sol.
O túmulo, um retângulo de pedra mármore que se eleva a cerca de um metro do solo, permanentemente coberto de flores que formando os respectivos símbolos, encontra-se no centro do pátio à volta do qual se desenvolve o conjunto de edifícios que compõem o Ashram, por baixo de uma árvore e rodeados por vários canteiros de flores harmoniosamente dispostos e bem cuidados.
Enquanto aguardava ia observando as dezenas de devotos, tanto indianos como estrangeiros, que se encaminhavam em respeitoso silêncio para os túmulos, ajoelhando-se, encostando-lhe a testa, ou simplesmente passando a mão sobre as flores, enquanto os incensos iam enchendo o espaço de um odor doce e cujo fumo ajudava a criar uma atmosfera mística.
Quando as luzes foram desligadas, ficando somente um débil foco apontado para os túmulos, e os muros altos do ashram afastavam o ruído da rua, foquei a minha atenção nas dezenas de pontas incandescentes do incenso a arder que ficaram a flutuar na escuridão do espaço e cujo fumo espesso realçado pelo foco de luz, deslizava lentamente sobre os túmulos. Assim se passou meia hora.
Não aprofundei esta filosofia, mas em termos práticos do contato que fui tendo com as pessoas estavam envolvidas nesta organização, tanto trabalhadores como seguidores, deparei-me com pessoas distantes, circunspectas, rígidas e ligeiramente antipáticas, longe dos sorrisos calorosos com que sou geralmente recebida, especialmente aqui no sul.
Olhando de longe… em Dharamkot e em geral no estado de Himachal Pradesh éramos acompanhados pelo bem disposto sorriso do Dalai Lama; em Kashmir seguia-nos o olhar atento do Ayatola Khomeini; por toda Índia a imagem do Sri Sai Baba (atenção, não confundir com o Sri Sathya Sai Baba) com o seu olhar humilde é venerada e respeitada… Pondicherry encontrou inspiração nos ensinamentos do Sri Aurobindo e da “The Mother”….
Será que temos que ter sempre uma imagem ou um símbolo para nos guiar? Será mesmo preciso acreditar em qualquer coisa? Não basta ser só “isto”?!?
* Desde o primeiro contacto com a filosofia do Aurobindo, uma palavra que me despertou a atenção foi o yoga, que não é o que estamos habituados a associar, mas um caminho a seguir para atingir uma consciência divina. O caminho, ou sadhana, “tem por objectivo transformar a vida a mente e o corpo afastando-nos da consciência mundana e levando-nos para a consciência divina”. Aqui não existem exercícios físicos, mantras ou técnicas de respiração ou de meditação; o sadhna deste yoga refere-se à “aspiração pela auto-concentração, pela auto-abertura ao poder divino acima de nós”. Pelo que me apercebi, a prática de meditação que dura cerca de quinze minutos, não obedece a nenhuma técnica ou método, sendo realizada diariamente de manhã ou ao fim do dia.
(este texto data de Agosto de 2013)