Nepal vs Índia
Depois de uns meses na Índia, surgem as inevitáveis comparações entre o modo de vida, a cultura e a religião destes dois países vizinhos que à primeira vista muito têm em comum, mas onde um olhar mais atento revela bastantes diferenças: menos conservadores e mais cosmopolitas em especial em Kathmandu e Pokhara, as duas maiores cidades do país, onde não é raro encontrar casais a namorar, e onde a população mais jovem adopta roupa ocidental acompanhando as modas mais recentes, usando cortes de cabelo modernos, vendo-se mesmo rapazes de cabelo comprido, de dread locks, piercings… com as tatuagens a fazerem parte do visual urbano.
Contudo ainda é bastante frequente o uso das roupas tradicionais, como os sahrees e as kurtas, em especial nas mulheres das comunidades hindus. Quanto aos homens é raro encontrar algum que ainda use a tradicional vestimenta nepalesa, constituída por calças justas e túnica, em tecido de algodão branco, sobrepondo-se um colete em fazenda de côr escura. O tradicional chapéu, o topi, é contudo mantido orgulhosamente pela maioria dos homens nepaleses, mas nunca pelos rapazes novos, nem mesmo nas áreas rurais.
No Nepal a mulher tem um papel mais activo na sociedade, muitas falando inglês, mesmo que básico e encontrando-se à frente de negócios, que é notório mesmo nas zonas rurais, onde grande parte do trabalho recai sobre as mulheres acumulando as tarefas domésticas com o trabalho do campo. Nas montanhas, muitas ganham a vida como carregadoras, transportando pesados cestos às costas, apoiados na testa por tiras de pano, que ajudam a equilibrar a carga e distribuir o peso. Às mulheres fica também reservado o trabalho menos qualificado na construção civil, carregando tijolos, areia e cimento nas muitas obras que são uma presença constante nas zonas mais pressionadas pelo turismo.
São claramente um povo mais calmo e mais conhecedor de outras culturas, talvez devido à sua pequena dimensão face aos países vizinhos, e à emigração que dispersou cerca de dois milhões de nepaleses pelo mundo, em especial no médio oriente, onde constituem a principal fonte de mão de obra não qualificada.
É sem duvida um país pobre e menos desenvolvido do que a Índia, com poucos recursos naturais, sem acesso ao mar, com uma orografia difícil. Está assim vulnerável à pressão económica dos dois vizinhos, a China e a Índia, que vão gradualmente inundando o mercado nepalês com os seu produtos, ao mesmo tempo que financiam projectos de desenvolvimento, em especial de estradas que permitem a estes “gigantes” mais facilmente escoarem os seus produtos, não constituindo um incremento significativo nas exportações nepalesas. Num relatório das Nações unidas de 2008, o Nepal ocupava o 145º lugar em termos de desenvolvimento, num total de 153 países.
Nas grandes cidades, em especial Kathmandu, vêm-se pedintes com frequência; geralmente idosos, mulheres e muitas crianças, que insistentemente pedem comida e dinheiro, notando-se também o trabalho infantil, que não é dissimulado e constitui uma realidade para o sustento de muitas famílias.
O turismo, com mais de 500 mil visitantes anuais, é uma das grandes fontes de entrada de dinheiro no país, e emprega uma boa parte da população, mas está sujeito às flutuações da economia, especialmente da europeia, que condiciona o número de visitantes e a quantidade de dinheiro despendida.
Contudo das cerca dos 29 milhões de habitantes que o Nepal actualmente apresenta, cerce de 80% vive da agricultura, verificando-se nos últimos anos um êxodo para as cidades, em especial para o Vale de Kathmandu que entre 1990 e 2010 duplicou a população residente atingindo os 2 milhões de habitantes, contribuindo para agravar os problemas da cidade, em especial o trânsito e a poluição.
O elevado número de emigrantes revela bem a situação económica que o Nepal vive, onde não existe suficiente oferta de emprego, situação que se tende a agravar com o aumento crescente da população com mais de meio milhão de novos habitantes por ano. O aumento da população não é só devido ao aumento da taxa de natalidade, mas também da melhoria das condições sanitárias e de acesso à saúde, que fez descer a mortalidade infantil e aumentar a esperança média de vida, que em 1971 era de 43 anos e que actualmente passou para os 63.
Tudo isto trás consigo a necessidade de mais infraestruturas: estradas, escolas, casas esgotos, abastecimento de água e especialmente de comida, que se torna problemático num país em dominado por montanhas onde a agricultura é difícil e de baixo rendimento, com pouca possibilidade de mecanização, e onde a procura de novas zonas aráveis leva ao aumento da pressão ambiental e à rápida destruição da floresta.
A educação é uma grande aposta do estado, mas mesmo assim a percentagem de literacia ronda actualmente os 58%, valor em 1951, ano em que o país abriu as portas ao exterior rondava os 2%. Por todo o lado vêm-se crianças a irem para escola, com os seus uniformes, mesmo em zonas mais remotas das montanhas; mas por vezes têm que acumular os estudos com tarefas nos campos e o cuidar dos animais, fazendo com que muitos desistam, em especial nas famílias mais pobres.
Para quem avança para estudos superiores, abrem-se poucas perspectivas de emprego, pois o estado é o maior empregador de quadros superiores, e está sujeito às influências políticas, familiares e de castas que encerram a porta a muita gente, sendo a opção de muitos dos jovens as bolsas de estudo, oferecidas por ONG e outras organizações internacionais, que lhes permite irem para o estrangeiro, onde muitas vezes ficam a viver e trabalhar por falta de perspectivas no Nepal.
Há um esforço no aproveitamento hidro-eléctrico dos inúmeros rios que atravessam o país, construído com base em ajuda financeira externa, que permitiria ao Nepal resolver os problemas de abastecimento eléctrico à população, que actualmente obriga a cortes diários, podendo mesmo ser vendida aos países vizinhos passando a constituir fonte de rendimento. Contudo a actividade sísmica que caracteriza a região dos Himalayas juntamente com o clima de monções põem em causa a estabilidade das grande barragens, tendo já ocorrido acidentes.
É de uma forma geral um país mais limpo, onde não se vê com tanta frequência lixo despejado pelas rua… não quer dizer que estejam limpas mas nota-se um maior cuidado em comparação com as cidades indianas, o que também ajuda o facto de não haver praticamente vacas a passear pelas ruas das cidades de Kathmandu ou Pokhara.
Quanto à condução automóvel, também no Neplal se conduz pela esquerda, havendo à semelhança da Índia algum desrespeito pelas regras de circulação automóvel, mas mesmo assim os nepaleses são mais calmos na estrada não praticando uma condução tão agressiva. Mesmo as buzinas dos automóveis, que são poucos e das motas que são um constante nas cidades são uma presença menos intensa e perturbante, com excepção da cidade de Kathmandu, onde a densidade populacional a faz parecer, neste aspecto, com as mais caóticas cidades indiana.
Ao contrário da Índia, dominada pelo críquete, aqui no Nepal o futebol é rei, o que se vê pelos improvisados jogos de rua e pelo conhecimento de jogadores portugueses: Cristiano e Figo são nomes sabidos de cor o que faz do futebol um dos mais fortes factores de divulgação de um país.
Castas
Uma das coias que o Nepal importou do seu vizinho do sul, trazida pela população indiana, em especial das castas mais altas, os brâmanes, que foi fugindo da ameaça Muçulmana que aos poucos foi ocupando o norte do país, foi o sistema de castas que apesar de ilegal ainda hoje se mentem e que domina fortemente a sociedade e mesmo a economia.
Apesar de ter sido oficialmente abolido em 1964, o sistema de castas é ainda válido no comportamento social dos Nepaleses em especial no que se relaciona com os casamentos; contudo vão-se verificando lentas mudanças existindo actualmente vários casais constituídos por indivíduos de castas diferentes, mas que por vezes não são bem aceites pelas famílias, o que numa sociedade baseada nas relações familiares implica muitas dificuldades.
Os grupos étnicos habitantes das regiões montanhosas, onde a religião hindu não tem grande expressão, não se encaixam nesta organização social sendo maioritariamente influenciados pelo Budismo Tibetano.
Numeração e calendário
Para além de pouca coisa estar escrita em caracteres ocidentais, o Nepal tem a sua própria grafia em relação aos algarismos.
No caso das notas o valor facial aparece com os dois tipos de caracteres, assim como por extenso em nepali e em inglês, mas somente numa das faces, o que obriga a quem ainda não está habituado a virar e revirar as notas para ver o seu valor, com a agravante de estarem quase sempre em mau estado, o que dificulta a percepção da côr que as poderia facilmente identificar. Moedas é coisa rara.
Apesar dos Nepaleses adoptarem o calendário internacional, mantêm o seu próprio calendário cujos meses não coincidem exactamente aos que estamos habituados, fazendo com que o ano nepalês seja actualmente de 2070.
Tabaco e Alcool
O álcool está bastante difundido pelo Nepal, tanto nas montanhas com a sua tradicional aguardente, o raksi, como por todo o restante território onde abunda a cerveja e as bebidas destiladas, sendo já o alcoolismo um dos principais problema de saúde pública do país. Nas zonas mais turísticas facilmente se encontra vinho oriundo do Chile, Argentina África do Sul, França… e também o vinho nacional: o Hinwa. No bairro mais turístico de Kathmandu, o Thamel, é possível encontrar Mateus Rosé!!!! Somos grandes!
Num país onde o consumo de tabaco é permitido em praticamente todo o lado, nota-se um elevado número de fumadores, que abrange cerca de metade da população.
As mulheres das várias tribos e grupos étnicos que habitam as montanhas na zona do Annapurna, e que se vêm nas cidades vizinhas vendendo os seus produtos agrícolas, são também grandes consumidoras de tabaco, vendo-as nos momentos de pausa para descanso e conversa entre si a desencantarem um cigarro, do meio da longa faixa de tecido com que envolvem a cintura e que ajuda assegurar o lungi, pano longo até aos tornozelos, que enrolam à cintura, e onde sobressaem os padrões florais e geométricos em cores quentes e ocre.
Nos percursos que fiz pelas montanhas, é muito frequente ver homens e mulheres a consumir tabaco de mascar, que retiram de pequenas caixas metálicas, e colocam na boca, depois de amassarem os pedaços na palma da mão.