O chamado “sky burial” (tiānzàng, em tibetano) que se pode traduzir por funeral-aéreo, é uma antiga tradição do budismo tibetano que considera o corpo apenas como um veículo para percorrer esta vida; uma vez que um corpo morre, o espírito abandona o corpo deixando-o sem utilidade.
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Dar o corpo como alimento para os abutres é um acto final de generosidade para com o mundo dos vivos e faz parte do ciclo de vida; os próprios abutres são reverenciados e acredita-se ser uma manifestação do deus Dakinis.
Para além do significado espiritual o Sky Burial é também uma forma prática das populações do planalto tibetano se livrarem dos corpos, num zona onde as temperaturas mantêm o solo gelado grande parte do ano e onde escasseia a madeira que poderia servir de combustível para queimar os corpos.
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A cerimónia, mais prática do que ritualista, realiza-se geralmente pela manhã num encosta mais afastada das povoações. De um lado pequenos grupos de pessoas, quase exclusivamente homens, muitos envergando os tradicionais casacos tibetanos que com a ajuda das excessivas longas mangas mantêm atados à cintura; do outro grupos de abutres formando manchas castanhas no verde do terreno, esperam calmamente. Não muito longe, um outro grupo distingue-se pelas coloridas roupas e equipamento de trekking: são sobretudo chineses que visitam estas paragens do oeste de Sichuan no percurso entre Chengdu e Lhasa, uma das mais populares rotas turísticas de aventura entre a população chinesa, que vê o Tibete com uma região selvagem e primitiva… uma espécie de descoberta da “ultima fronteira”.
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Dos corpos que aguardam no chão liberta-se um cheiro de sete dias de decomposição que a suave brisa faz subir ao longo da colina; à medida que os homens encarregues de preparar os corpos executam o seu trabalho, os vários grupos de abutres vão-se reunindo, voando baixo sobre o local e descendo a colina num caminhar lento mas determinado, formando um grupo cada vez maior.
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Ao discreto sinal de um monge que assiste à cerimónia, os grupos de abutres iniciam, de asas semi-abertas a descida da colina em direção aos corpos, que em segundos desaparecem sob o ondulante manto castanho formado pelas aves, que avidamente despedaçam e arrancam vísceras, pele e carne, de onde abruptamente se liberta um cheiro nauseabundo que afasta todos os espectadores, provocando esgares de agonia e vómitos, apesar dos lenços que cobrem a cara.
Após menos de meia hora, pouco resta dos cadáveres para além dos ossos, que após enxotadas as aves são metodicamente partidos contra a pedra com auxilio de martelos até se tornar em pequenos pedaços que misturados com farinha de cevada servem de alimento aos abutres, que como animais amestrados, aguardam pacientemente, a curta distância, pela segunda parte do festim.
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Apesar da aparente naturalidade com que os tibetanos assistem a esta cerimónia, sem lamentos ou exuberantes manifestações emocionais, os sky burials, apresentam-se intensos e perturbadores, onde para sempre fica a memória do cheiro da morte que se cola à pele dos vivos e o pesado bater das asas dos abutres, voando cada vez mais baixo à medida que se inicia a preparação dos cadáveres; tudo envolvido sob a majestosa calma da verde paisagem e do intenso céu azul.
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