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Subcontinente Indiano
A comida no Nordeste da Índia… para vegetarianos!
Para um vegetariano qualquer refeição nos estados indianos do Nordeste (Northeast States) reveste-se de uma tremenda desilusão, capaz mesmo de tirar o apetite. Com excepção do estado de Assam, cuja população é maioritariamente hindu, o consumo de carne é uma presença constante nos estados de Nagaland e de Meghalaya, onde domina o cristianismo.
Por isso este texto é somente uma pálida amostra da gastronomia destes três estados, mas serve de guia a quem opta por não comer carne nem peixe e ande em viagem por estes remotos lugares.
Nos estados de Nagaland e de Meghalaya nota-se uma clara influência da cozinha asiática, surgindo frequentemente os noodles e o chow ming, ao passo que em Assam é clara a influência da cozinha indiana, mais concretamente do região do Punjab, mas onde os mais de 2300 quilómetros fizeram esbater a intensidade dos sabores e reduziram a variedade de ingredientes.
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Assam e as parathas
Em Assam é possível e até fácil de encontrar nas grandes cidades os clássicos da cozinha indiana, como o dal e os vários caris de legumes e leguminosas, como o grão, ervilhas, couve-flor, batata, etc… sendo muito fácil encontrar chamussas (samosas) e puris. Sendo um estado atravessado pelo gigantesco Rio Brahmaputra, que alaga as planícies por onde passa, faz com que o arroz seja indispensável em qualquer refeição em Assam.
O que sobressaiu em Assam foram as paratas (ou parathas) que apesar de não serem um exclusivo local apresentam-se aqui diferentes: são mais espessas e mais oleosas, de aspecto pálido e pouco tostado, resultando numa massa compacta e mal cozida. As parathas podem ser recheadas com batata, ou mais frequentemente simples, servindo de acompanhamento a caris simples, geralmente de batata e ervilhas-amarelas, encontrando-se frequentemente em bancas de rua, sendo a mais popular street-food em Assam.
O thali, uma refeição à base de arroz, dal (sopa de lentilhas) e caril de legumes, em Assam mostrou-se diferente, com um dal muito líquido, um caril com pouco gosto e por cima do arroz um pedaço de couve cozida… assim, mesmo, só cozida sem tempero. Enche a barriga mas não deixa saudades.
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Nagaland e os puris
Se em Assam a gastronomia se mostrou sem inspiração, em Nagaland cada refeição foi um desafio para um vegetariano em viagem. Em zona de montanhas domina a carne, que se vê à venda em todas as povoações, e que ocupa grande parte dos mercados das cidades de Nagaland.
Nas pequenas povoações, encontra-se à entrada uma zona onde se concentram animais esperando para ser abatidos, enquanto ao lado são expostas as peças de carne já desmanchada e pronta para vender, a quem passa na estrada seja a quem chega de mota ou de carro, ou quem sai de um autocarro que faz uma paragem para recolha de passageiros. Nas cidades, o abate de animais encontra-se nos mercados, onde aves esperam em gaiolas para serem vendidas e abatidas. Pelo ar espalha-se um cheiro a dejetos e a sangue, que deixa pequenas poças no chão à medida que a água da chuva se vai infiltrando pelo chão do mercado.
Nas cidade de Nagaland é possível encontrar algumas opções vegetarianos, como o chamado rice, um prato à base de arroz, dal e vegetais, ou uns noodles, em sopa ou salteados. Mas nas povoações mais pequenas como Mon ou nas outras sem nome que serviram de paragem a uma longa viagem de autocarro, as opções são poucas, para além de arroz e algum legumes cozidos, cujo sabor é dado pelos gordurosas e pesados guisados de carne.
Uma opção presente um pouco por todo o lado são os puris, um pedaço de pão espalmado, frito em óleo e acompanha um caril de batata e ervilhas-amarelas, servidas numa pequena taça. Os puris são excessivamente oleosos, aqui mais do que o normal, ensopando o papel de jornal onde são servidos, e o caril é picante mas pouco espesso. Resulta numa refeição altamente calórica mas pouco nutritiva, contudo é bastante popular entre a população local, tendo servido várias vezes de refeição nos dias que passei em Mon, Kohima e Mokochung.
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Meghalaya e as influência da Ásia
Apesar de proximidade com o Bangladesh, o estado de Meghalaya apresenta forte influência da cozinha asiática com os noodles servidos tanto em sopas como salteados. Do Tibete vieram os momos, um pequeno pastel recheado de carne ou de vegetais. Shillong, a capital deste estado é bastante moderna e cosmopolita e por isso é fácil encontrar restaurantes das cadeias internacionais de fast-food, mas pelo elevado número de turistas indianos, existe uma grande oferta de restaurantes com os clássicos pratos indianos.
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Um pequeno-almoço no Nordeste da Índia
Como é uma zona com pouco turismo internacional, são pouco frequentes os locais que servem o chamado “pequeno-almoço continental” nem tão pouco se encontram cafés, padarias ou pastelarias.
Mas o pequeno-almoço não constitui um problema, pois as opções locais revelam-se quase sempre uma boa escolha, mas no Nordeste da Índia esta opções revelou-se desanimadora.
Em Assam foi uma paratha, servida com caril de batata e acompanhada de uma geleia doce. Em Meghalaya, na vila de Sohra, a única opção disponível sem carne foi um prato de arroz com caril de grão e um molho verde de menta com malagueta… por acaso uma combinação simples mas saborosa. Em Nagaland, numa das viagens de autocarro houve tempo para um chai e uma chamussa. Em Mon, antes de iniciar uma viagem de 8 horas de taxi partilhado, houve oportunidade de provar um pequeno-almoço muito popular entre a população local, massa frita acompanhada de caril de batata… um começo de dia bastante oleoso!
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Doces
Os únicos doces testados nesta viagem pelo Nordeste da Índia foram em Assam, onde se apresentam com diversos formatos, mas todos obedecendo à mesma receita: uma espécie de massa folhada, frita e regada com uma espessa calda de açúcar que depois de fria fica sólida. Desta calda resulta uma côr amarelo-torrado um aspecto brilhante e apelativo, mas de sabor monotonamente doce a açúcar. Pesados em enjoativos!
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Mercados
Os mercados são sempre um local que desperta os sentidos, aguça a curiosidade e estimula a imaginação para tentar identificar os produtos vendidos e a sua utilidade na gastronomia de cada região.
E em termos de mercados Nagaland revelou o maior exotismo, sobressaindo o Mao Market, na cidade de Kohima, onde a exótica e diversificada oferta de produtos alimentares espelha a originalidade da gastronomia deste estado, que inclui carne, peixe seco, enguias, caracóis, larvas, ratos e rãs… e larvas de vespa, vendidas ainda dentro da colmeia.
Quanto aos vegetais, encontra-se nos mercados uma mistura de produtos tropicais, como a flor de bananeira, e os que vêm das montanhas como os cogumelos e o bambu; pelo meio encontra-se uma grande variedade de vegetais, muitos dos quais totalmente desconhecidos dos paladares europeus.
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Em resumo, pode-se considerar que a experiência gastronómica proporcionada na visita aos estados mais a nordeste da Índia não deixaram saudades, tendo ficado na memória uma comida monótona e pouco apetitosa, onde a presença de batata foi presença constante ao longo dos 22 dias de viagem… mas claro que esta é um ponto de vista de um vegetariano que não pode fazer justiça à vasta cozinha de uma região tão extensa.
Viajar em “unreserved” num comboio indiano… de Kohima para Guwahati
Podem dizer que sim, que há lugares reservados no comboio; podem até vender bilhetes onde o numero da carruagem e o nosso lugar estão claramente assinalados… mas não! Não! No comboio das 12.31h (numero 05968, Dibrugarh – Rangiya Special), de Dimapur para Guwahati, não há lugares reservados. É um comboio “unreserved”. Ou seja: é uma luta corpo-a-corpo para conseguir entrar numa das já cheias carruagens, onde bagagem, cotovelos e joelhos são as armas para esta “guerra”.
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Apesar desta viagem entre Dimapur e Guwahati ter coincidido com as eleições regionais do estado de Assam, onde parte das carruagens estavam reservadas para o exército, o que diminui o numero de lugares, o facto de não haver lugares reservados parece fazer parte da normalidade deste serviço. Tanto funcionários como passageiros sabem disto. Eu fui até gentilmente advertida, por um dos funcionários da estação, com as simples palavras “you need to rush to the train”… coisa que achei estranha pois ainda faltam mais de 2 horas… “rush” ?!?!… para quê, pensei eu… mas esta foi uma forma delicada de dizer “fight”!!!
Depois de conseguir entrar no comboio e de, com a ajuda de um prestável passageiro, conseguir arranjar espaço para a mochila, seguiu-se uma árdua jornada de mais de cinco horas e meia, num comboio superlotado, em que as hipóteses de arranjar um lugar sentado eram poucas.
Como se tudo isto não fosse já demasiado penoso, junta-se o clima das planícies de Assam que em Abril é quente e seco, e onde cada paragem do comboio, faz estagnar o ar dentro das carruagens, tornando-as numa espécie de forno, onde os passageiros esperam pacientemente que o comboio arranque de novo e faça entrar ar fresco pelas janelas. Lentamente uma fina camada de pó cola-se discretamente à pele com a ajuda do suor que aos poucos vai deixando as marcas na roupa e um brilho no rosto.
Com sorte, na parte final da viagem lá consegui partilhar um banco de dois lugares com mais outros dois passageiros… e com um pouco de boa vontade lá se arranjou também um pouco de espaço para encaixar uma criança… o que vale é que a maior parte dos passageiros são magros, e a partilha das adversidades fortalece o sentimento de entreajuda.
Pelo meio do corredor do comboio, totalmente atulhado de pessoas e bagagem, vendedores de comida insistem persistentemente em circular por entre os passageiros carregando comida e bebidas: samosas, água, biscoitos, lassi, gelados, amendoins e o refrescante pepino cortado à fatias e condimentado com chilli. É um vai-e-vem incessante de vendedores, apregoando sonoramente os seus produtos, abrindo passagem à força de empurrões e pisadelas, por entre os passageiros que viajam de pé, criando uma constante agitação e não deixando oportunidade para ter algum conforto nesta penosa jornada.
Pela janela chegam imagens de planícies verdes de plantações de arroz e outras de campos secos à espera de chuva, onde a intensidade da luz convida a fechar os olhos.
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Como ir de Kohima para Dimapur:
Do terminal de bus de Kohima, comodamente situada no centro da cidade, partem autocarros da companhia estatal, a NST (Nagaland State Transport).
Estranhamente não existe um horário definido para o inicio da viagem, e segundo informações da bilheteira, o autocarro para Dimapur somente inicia o percurso quando estiver cheio. Por isso é necessário comprar o bilhete e esperar. Contudo convém chegar pelas 7 a.m. Apesar de não estar totalmente cheio, a viagem começou, por volta das 7.20 a.m, com cerca de 2/3 dos passageiros. Os autocarros da NST encontram-se em muito mau estado, sujos e com os alguns dos bancos partidos, em especial os que fazem os percursos mais curtos, como é o caso de Kohima-Dimapur.
- Bus de Kohima para Dimapur: 120 rupias (3 horas)
Mesmo junto ao terminal de autocarros encontra-se uma paragem de táxis facilmente identificável pela concentração de veículos de cor amarela. A viagem em shared-taxi custa 220 rupias e demora 2.5 horas. Os táxis não têm horário fixo e partem assim que estão cheios (o que de manhã não demora muito), funcionando desde as 6 da manhã até ao fim do dia.
A estrada entre Kohima e Dimapur é essencialmente de montanhas, com o ultimo terço do percurso já a ser feito nas planícies de Assam. A estrada tem boas condições de pavimento mas tem troços em obras e outros em muito mau estado o que torna a viagem cansativa, cheia de solavancos.
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Como ir de Dimapur para Guwahati:
De facto para quem quer poupar dormir uma noite na desinteressante cidade de Dimapur, e pretende seguir directamente de Kohima para Guwahati, não existem opções muito interessantes.
Segundo os horário da Indian Railways o comboio 05968, apesar de não ter carruagens com ar-condicionado ou “sleeper class, tem lugares em 2ª classe. Assim são vendidos bilhetes nas agências de viagem em Kohima, com o número do assento e da carruagem, inscritos claramente num bilhete emitido electronicamente e impresso em papel, que nos é fornecido por estes intermediários, a trabalhar aparentemente de forma honesta, usado o serviço de venda de bilhetes da Indian Railways. Mas quando o comboio chega à estação constata-se que a carruagem para a qual temos o bilhete não existe, e o que vemos é toda a gente a correr para as entradas dos comboios, inviabilizando por vezes a saída dos outros passageiros, para conseguir entrar, carregando bagagem e crianças ao colo.
O autocarro não é um alternativa atractiva para fazer os 250 km que separam as duas cidades, e provavelmente iniciam o percurso de manhã cedo.
Existem mais comboios a fazer este percurso, que partem depois da 16 p.m. mas chegam a Guwahati perto das 10 p.m. o que pode ser pouco agradável para arranjar alojamento, em especial para quem chega a Guwahati pela primeira vez e tem um orçamento limitado.
Nem todos os comboios funcional diariamente.
Mais informação sobre comboios em:
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Dimapur:
- Em Dimapur estação de comboios fica localizada muito próximo do terminal de bus da NST, a menos de 2 minutos a pé;
- Na estação de comboios existe luggage room, onde é possível deixar a bagagem enquanto se espera pelo comboio. O processo é burocrático e implica apresentação de passaporte e o preenchimento detalhado de um recibo por parte do funcionário. A luggage room fica no mesmo local da parcell office. É obrigatório ter um cadeado, mesmo que seja uma mochila com vários compartimentos e fechos… mas basta um cadeado, a título simbólico! 20 rupias por dia, por bagagem.
- A estação de Comboios de Dimapur tem também uma Retiring Room, que funciona como alojamento para portadores de bilhete. Desconheço as condições mas pode ser que seja útil a quem chega “fora-de-horas“ e não pretende perder tempo a procurar alojamento em Dimapur.
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- Para uma refeição rápida recomendo o restaurante situado do lado direito da entrada principal da Estação de Comboios de Dimapur: Hotel Dimapur Shan-e-Punjab… para quem tem saudades da tradicional comida indiana, o dal com chapatti foi delicioso. Para além da comida é um local com condições para relaxar durante uma ou duas horas.
- Caso se queira um pouco mais de conforto, no extremo norte do cais de passageiros da Estação de Comboios de Dimapur (para quem entra, do lado direito), encontra-se um restaurante da Indian Railways com ar-condicionado.
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Maha Shivaratri. India
Adeus Índia!
Enquanto sobrevoo as montanhas do Afeganistão, onde nos vales cresce uma escassa vegetação, que salpica de manchas escuras o solo árido e despido, oiço o som do piano de uma sonata de Bach, disponibilizada pela companhia aérea de forma a tornar esta viagem de umas quase onze horas numa experiência agradável.
Para trás ficou a Índia, com o ultimo passado em Delhi, que nada teve de particularmente agradável: uma escala obrigatória no regresso a Lisboa, constituindo uma mudança abrupta em relação aos dias passados calmamente em Pondicherry.
Há medida que o avião se afasta do continente Asiático em direção à Europa, às montanhas afegãs sucedem-se vastas planícies de deserto arenoso, corajosamente atravessadas por um sinuoso rio, à volta do qual o homem se foi fixando em improváveis povoações; surgindo depois vasta planície, árida e rochosa timidamente recortada por um emaranhado de estradas, que vistas de cima a esta altitude, mais se assemelham a finos capilares e que atestam a presença humana em tão agreste paisagem.
É tempo para reflexão e para fazer o balanço desta viagem de quase cinco meses. Ficou uma paixão pela Índia. Um desejo de voltar e de ficar mais tempo.
Como tudo o que é intenso e excessivo, a Índia é capaz de provocar facilmente uma grande repulsa assim como uma grande paixão. Incluo-me no segundo grupo, mas reconheço que em alguns momentos fui levada ao meu limite, não conseguindo por vezes lidar emocionalmente com o que via e com o estava a viver.
É preciso desenvolver uma grande tolerância e paciência para conseguir lidar com o quotidiano de um país superlotado, à primeira vista caótico mas com uma organização complexa e rebuscada, onde o lixo é uma constante e a higiene se rege por padrões diferentes dos ocidentais. É um teste à capacidade de cada um de se adaptar e de saber lidar com as adversidades e com os entraves que constituem a vida quotidiana dos indianos, mas que ele encaram sem queixas ou resistência, como se tudo o que nos rodeia fosse somente ilusão e por isso sem relevância.
“If God gave heaven to indians, twenty-four hours later it would be no different from hell” texto retirado do livro “Sadhus, going beyond the dreadlocks” de Patrick Levy
O que ficou da Índia? Ficaram… as deslumbrantes paisagens coroadas de neve dos Himalaias, a característica cultura do Ladakh, protegida pelas montanhas áridas, a cidade de Srinagar, com a hospitalidade característica de Kashmir, o sul com a deliciosa comida e a cultura orgulhosamente conservada pelos habitantes de Tamil Nadu, e Pondicherry, pelos doces dias que proporcionou.
E ficou a recordação de pessoas que marcaram, e cuja amizade é um terreno a cultivar.
Mas acima da tudo, o mais marcante da Índia são as pessoas. São elas a melhor paisagem. E são elas que proporcionam a poderosa energia que este país tem.
Sobrevoei montanhas, desertos, mares… agora observo da minúscula janela do avião nuvens compactas que formam um relevo que em tudo se assemelha a uma paisagem terrestre, formando vales, planaltos e encostas, realçados pela escassa luz que ainda ilumina o céu, criando uma ténue linha de tons laranja que contrasta com as cores frias do céu que aos poucos se vai apagando, mas que pontualmente se ilumina com os relâmpagos da tempestade, que incólumes sobrevoamos.
Um pôr do sol que à medida que caminhamos para oeste, se demora no horizonte, como se o tempo estivesse suspenso. Um dia que teima em não terminar.
Bach deu lugar a Schubert!
Notas da Índia #4
Restaurantes de estrada
Nas muitas e longas viagens de autocarro, uma presença constante foram os restaurantes de estrada, poiso frequente de camionistas e de autocarros de longo curso, mesmo os das empresas públicas, efectuam diversas paragens para as refeições, as imperativas idas à casa de banho e muitas vezes para dormir umas horas antes de prosseguir viagem. São geralmente sujos, escuros e mal iluminados; a comida, que poucas vezes experimentei, era de fraca qualidade e de aspecto pouco convidativo, mas são locais sempre prontos a servir uma refeição a qualquer hora.
De noite é quando apresentam o aspecto mais sórdido, mas mesmo assim são pontos de luz na escuridão compacta, afastados de qualquer povoação ou local com vida, que servem de refúgio a quem efectua viagens noturnas, mas que ao mesmo tempo nos fazem sentir abandonados num imenso espaço vazio, até que de novo o motor volte a trabalhar e o autocarro nos leve para longe.
Viajar sozinha na Índia:
Não chega uma boa companhia para nos sentirmos bem, nem tão pouco o facto de estarmos sós nos tem que fazer sentir mal.
A constante actividade e a vida agitada que levamos ajuda-nos a esconder e a camuflar alguns sentimentos: leva-nos para o futuro ou por vezes remete-nos para o passado, mas definitivamente esquecendo-nos do presente. O facto de passar mais tempo sozinha obriga-me a olhar mais para mim, para as minha reações e para os meus medos. E mais tempo para apreciar o presente. Observar. Estar simplesmente. Reservar algum tempo para não fazer nada. Coisa que nos nosso dias não é cultivada e é vista como preguiça.
Como mulher recebo as atenções e os cuidados que de outra forma não teria; sou vista como fenómeno estranho, pois andar sozinho na Índia é coisa pouco frequente muito menos para uma mulher, especialmente num país em que a maior parte das viagens se fazem em família, em peregrinações a locais sagrados ou para visitar outros familiares. É mais fácil ser abordada por uma mulher do que se tivesse acompanhada por um homem; mostram-se espantadas mas ao mesmo tempo parecem que me admiram pela audácia e pela liberdade que represento, no seu mundo dominado pela presença masculina. Convidam-me por meio de gesto para me sentar junto delas, e ficam a observar-me detalhadamente, sorrindo e fazendo perguntas numa língua que eu não entendo…
Nem sempre é fácil… o peso da mochila é maior, e dado o volume nem é sempre possível levá-la para todo o lado… há que confiar em alguém para ficar a tomar conta, enquanto vou, por exemplo, à casa de banho, quando alguém a iça para o tejadilho de um autocarro e a perco de vista… é confiar! E confiar também na intuição, seguindo o instinto e deixando para trás medos e desconfianças
Viajar sozinha deu-me força e confiança, mas para isto contribuiu muito o facto de já conhecer o país, o funcionamento do seu quotidiano, as burocracias, as regras, os preços, a comida…
Perde-se um pouco a satisfação que é a partilha das experiências mas ganha-se uma imensa liberdade!
A comida do Sul da Índia
A todos os atractivos que o sul da Índia apresenta, em particular o estado de Tamil Nadu, há que somar a comida, que aqui apresenta uma maior diversidade de legumes e de especiarias, resultando numa grande variedade de sabores, cores e aromas, dominado o picante, sendo servida em folhas da bananeira e acompanhada com o omnipresente arroz cozido, que no sul substitui os chapatis que no norte as acompanham sempre as refeições. O que também nunca falta são os papadis, uma fina folha de massa de grão condimentada com especiarias e que é frita ficando estaladiça.
Para o pequeno almoço são servidas as dosas, uma espécie de crepe muito fino e estaladiço, feito com farinha de arroz e de lentilha, recheado com legumes (quase sempre batata) e servida com um chutney de côco, fresco e picante, e com o sambar, um caril de legumes pouco espesso, onde o dosa vai sendo embebida.
Esta combinação de sambar e chutney pode também acompanhar os iddlys, uns pães não fermentados feitos de farinha de lentilha, que são cozinhados ao vapor, ou as wadas (ou vadas), umas argolas de massa feita com farinha de lentilha, aromatizada com especiarias e frita em óleo.
Mas a revelação foi o pongal, uma pasta feita de arroz muito cozido, temperada com cominhos, sementes de mostarda, pedaços de gengibre fresco e cajus, tudo envolvido em ghee e cozinhado com muitas folhas de carril. À semelhança das outras alternativas de pequeno almoço, o pongal é também servido com chutney de côco e com sambar ou outro caril de legumes.
A folha de carril, que aqui é usada fresca aparece em quase todos os pratos servidos nas tradicionais refeições, thalis, constituídas por arroz e um conjunto de três ou mais acompanhamentos. Muitas das refeições incluem o chamado de butter milk, que é uma espécie de leite, mais aguado e ligeiramente fermentado que lhe confere um sabor ligeiramente ácido e que é servido ligeiramente temperado de sal.
Mas mais frequente do que o butter milk, é o iogurte que é misturado com o arroz e os restantes acompanhamentos que constituem uma refeição típica do sul da Índia.
Nos pratos tradicionais do sul, utiliza-se muito o côco, tanto o fruto, o “leite” como o óleo, a por vezes a flor e o tronco da bananeira. O panner que no norte era uma constante, aqui no sul tem uma presença muito discreta.
Quanto ao pão… nada de naans, nem de chappati ou rotis… aqui são parothas, feitas de massa muito elástica que é estendidas com ajuda de óleo, batendo a massa sobre a bancada até ficar fina e começar a rasgar, altura em que se dá um nó atando as pontas para depois de repousar ser novamente estendida rusticamente com a mão, e cozinhada sobre uma chapa, muitas vezes aquecida com lenha; são fofas e separam-se em camadas… e claro que acompanham com um caril de vegetais, sendo servidas geralmente ao fim da tarde, como lanche.
O dahl, estufado de lentilhas, que é servido aqui no sul, espesso e consistente, em nada se compara com o que geralmente se encontra no norte do país: bastante líquido, assemelhando-se mais a uma sopa.
O sempre presente chai, é bebido a qualquer hora por toda a Índia, tanto após as refeições como a acompanha-las, servindo também de pretexto para fazer um pequena pausa durante o dia de trabalho. Em Tamil Nadu, o chai é substituído por café, igualmente açucarado e bebido com leite, é servido em copos de metal, que por sua vez vêm dentro de um taça cilíndrica, também de metal; antes de ser bebido, o café é despejado de um recipiente para outro, várias vezes, antes de ser bebido.
Também no sul se encontra nesta altura do ano uma maior variedade de legumes: para além da batata, cenoura e ervilha, aqui encontram-se caris feitos com vegetais de folha verde, kelas (uma espécie de pepino de casca rugosa de sabor intensamente amargo mas que se diz ser bastante benéfica para purificar o sangue), drumstick (moringa), côco, banana e jaca (jackfuit), assim como uma grande variedade de legumes que muitas vezes não consigo identificar.
Quanto à fruta, dominam as mangas e as bananas, que se apresentam muitas variedades, não só no aspecto exterior como no sabor. O côco também é vendido em todo o lado, sendo a sua polpa comida, com o auxilio de uma lasca da casca do côco, cortada certeiramente com uma catana, após se ter bebido o líquido do interior.














Para mim, a comida do Sul da Índia, em especial no estado de Tamil Nadu, é uma das melhores de todo o país, tendo somente como rival a comida do estado de Gujarat, com uma grande variedade de sabores e de ingredientes, intensa, picante e com o certo exotismo tropical não deixando se se apresentar simples e despretensiosa. Tudo isto torna uma refeição numa deliciosa experiência para os sentidos.
O Sul da Índia é um paraíso para vegetarianos, sendo frequente encontrar restaurantes “pure veg” assim como comida de rua sem produtos animais. Contudo, os laticínios estão presentes tanto no chai como no iogurte que frequentemente faz parte do thali.
Cada visita a Chennai, comumente chamada de Madras, constitui um deleite para o paladar, com muitas opções para explorar as especialidades gastromómicas do sul da India, desde sofisticados restaurantes a simples refeitórios, sem esquecer a comida de rua!!
Uma deliciosa memória!!!