Objectivo delineado à entrada do Laos: não utilizar meios de transporte turísticos e usar sempre que possível os transportes colectivos nas deslocações no interior do país.
Passados 24 dias desde a minha chegada, objetivo alcançado somente com uma excepção: um percurso efectuado barco, entre Paksé e Champasak, onde já não funcionam as carreiras regulares; os outros percursos de barco, apesar de turísticos continuam a funcionar como meio de transporte da população local.
Esta premissa revelou-se não trazer aqui no Laos qualquer benefício económico, ao contrário da Tailândia, em que era relevante a diferença entre o preço oferecido pelas agências de viagens e o que se conseguia obter na companhia estatal ou mesmo de companhias privadas, se se comprasse o bilhete directamente no terminal de autocarros.
Aqui no Laos, apesar dos autocarros locais serem relativamente baratos, quase sempre deixam os passageiros em terminais, localizados suficientemente longe das cidades, obrigando a recorrer a um tuk-tuk ou a um songthaews para chegar ao centro da povoação ou mesmo para fazer a ligação de autocarro com outro destino; o que obriga a pagar um preço excessivamente alto (nunca menos de 20.000 kips), com pouca possibilidade de negociação, para uma viagem inferior a dez quilómetros. Uma viagem de cerca de 240 quilómetros custa 40.000 kip (cerca de 4€), mas à qual tem sempre que acrescentar mais o custo dos tuk-tuks ou dos songthaews, o que a transforma no dobro.
Posto isto, o dia iniciou-se com o nascer do sol, aproveitando o ar fresco que não dura muito para além das nove horas da manhã, com um percurso de uns três quilómetros, até ao extremo Norte de Champasak, onde atraca o “ferry” que faz a ligação entre as duas margens do Mekong. A designação “ferry” aplica-se a uma plataforma de madeira, toscamente construída, assente sobre o que resta do casco de três barcos, formando uma jangada movida a motor, mas de tamanho suficiente para transportar quatro automóveis. Existe uma outra estrutura mais ligeira, destinada a passageiros e a motos.
Enquanto esta embarcação desliza lentamente pelas esverdeadas águas do rio, observando as suas margens que aos poucos vão ganhando côr, saboreando a brisa fresca do rio e embalada pelo trepidar do barco, chega o odor a erva-príncipe, vinda das sopas que noodles que são vendidas a bordo, por mulheres que transportam ao ombro, penduradas nos extremos de um bambu, duas panelas: uma com o caldo de peixe, e a outra com os noodles e a mistura de menta, hortelã e rebentos de soja.
Foi impossível resistir a esta deliciosa sopa, que se tornou memorável pelo ambiente, tanto natural como humano, e pelo local onde foi consumida, em mais um dos trajectos efectuados pelo Mekong.
Seguisse uma espera de mais de meia hora, sentada na minha mochila à beira da estrada nacional Route13, por um dos muitos autocarros e songthaews, que efectuam a ligação entre Paksé e Si Phan Don, conhecida pelas “quatro mil ilhas” que surgem no meio do Mekong, numa zona onde o rio se alarga mesmo antes de chegar à fronteira com o Camboja.
A viagem até Ban Nakasang, povoação que não oferece mais do que uma rua ao longo da qual se dispõem diversas lojas, a a maioria dedicada a artigos de pesca, e que termina no cais de embarque para as ilhas de Si Phan Don, feita num pouco confortável songthaews, que obriga os passageiros a irem sentados, paralelamente à estrada, frente a frente, onde nunca é respeitado o limite máximo de passageiros nem tão pouco o peso da mercadoria transportada, que tanto pode ir no tejadilho, no estrado metálico que serve de degrau ao veículo, ou no seu interior, tornado a entrada ou a saída de algum passageiros num complexo movimentar de pessoas e carga.
Mas são este tipo de viagens, longe dos herméticos veículos de ar-condicionado, e dos autocarros cheios de ocidentais que invariavelmente iniciam estas viagens com a habitual conversa de viajante, referente ao próximo destino, países por onde passaram, duração da viagem, etc… mas que rapidamente sucumbem ao cansaço e ao desconforto provocado pelo maus estado das estradas, que trazem melhores memórias e mais histórias; onde é possível viajar com a população local, partilhando ao mesmo tempo sorrisos, comida, gestos, num país em que apesar do surpreendente bom nível de inglês que se fala, é ainda uma barreira intransponível para a maioria da população, em especial longe dos meios urbanos.
E surge novamente a sensação de liberdade proporcionada por viajar num veículo tão simples, sem janelas ou portas… sentir os cheiros da terra seca, das pessoas, do arroz acabado de cozer, as espetadas de carne grelhada acompanhadas de stick-rice, que são vendidas aos passageiros cada vez que o veículo para numa povoação de beira-de-estrada… apreciar a brisa, que desalinha o cabelo e que mesmo poeirenta, trás uma bênção de ar fresco.
Após a espera de numero suficiente de passageiros para efectuar a ligação até Don Det, o pequeno barco de madeira movido a motor lá fez a sua curta viagem de menos de dez minutos.