Agora que nos aproximamos do dia de sairmos de Srinagar, depois de uma estadia de cerca de duas semanas, é altura de contar como cá chegamos.
Depois da longa viagem de autocarro que nos levou de Manali a Leh, pensávamos que não teríamos que enfrentar novamente semelhante provação, mas deparámo-nos com o facto de a única forma de sair de Leh, ponde de parte o avião, era fazer novamente o caminho de volta a Manali, ou então seguir-mos em “frente” o que significava irmos para a cidade de Srinagar.
Srinagar e toda a região envolvente estiveram até à cerca de dez anos fora do circuito turístico, nem sequer aparecendo nos guias de viagem pois estava vedada a estrangeiros devido à guerra civil entre tropas indianas e os movimentos separatistas que reclamam pela independência de Kashmir, que envolvem também o Paquistão.
Apesar deste cenário, as informações que nos chegarás dos viajantes que encontrámos em Leh, eram bastantes positivas, referindo uma cidade bonita, com forte presença muçulmana mas sem aparentes problemas de segurança. Seringar passou a ser o nosso próximo destino.
Tínhamos pela frente uma viagem de dez horas, para percorrer 434 quilómetros, feita durante a noite num jeep, onde éramos os únicos passageiros. Cedo percebemos que não iria ser uma viagem fácil e iriamos demorar muito mais tempo… o condutor era bastante mau, muitas vezes circulava em contramão, desviando-se no limite com bruscas guinadas no volante, enquanto tentava escrever mensagens no telemóvel.
Um das muitas paragens que fizemos durante a noite, foi em Mulbekh, que curiosamente era um local que queríamos visitar pois aí encontra-se uma estátua de Buda com cerca de sete metros de altura, esculpida na rocha entre os séculos VII e VIII. Mas esta não foi só uma paragem para comer ou beber um “chai”: aqui o motorista decidiu dormir. Assim passamos umas horas dentro do Jeep, parados à beira da estrada, num local completamente isolado, e desértico aquelas horas, rodeados pela densa escuridão sob o olhar protector do Buda.
Com o nascer do dia, passamos por Kargil, a partir de onde se tornaram claros os sinais da cultura muçulmana: mesquitas, bandeiras com as cores do islão, caligrafia árabe, mulheres com a cabeça coberta por véus… nem parecia que estávamos na Índia.
À medida que avançávamos a paisagem foi tornando-se cada vez mais verde, com a estrada a descrever sinuosas curvas ao longo das montanhas, coroadas de neve e vales revestidos de relva por onde serpenteavam rios e pastavam rebanhos de ovelhas e cabras, conduzidos por pastores nómadas, que transportavam os seus haveres em pequenas caravanas de mulas.
Depois de passar-mos Dras, mais uma vila sem aparente interesse, à medida que fomos subindo a montanha em direcção ao ponto mais alto, Zoji La, situado a 3529 metros de altitude, a temperatura começou a baixar a as condições de visibilidade foram drasticamente diminuído com o nevoeiro que por vezes formava uma densa barreira branca. Ao mesmo tempo as condições da estrada foram piorando, transformando-se num trilho estreito e lamacento, que cortava corajosamente a encosta que se desenvolvia quase a pique.
As dificuldades em circular, agravadas pela intensa chuva, pelas linhas de água que atravessavam a estrada, ou por zonas onde o desmoronamento de terras tornava a estrada ainda mais estreita, tornavam o cruzamento de veículos numa tarefa difícil e arriscada, obrigando a longas paragens foram criando longas filas de camiões e de autocarros. Nos pontos mais críticos da estrada, militares controlavam a circulação e vigiavam as condições de segurança da estrada, que por vezes tem que ser encerrada, em resultado de acidentes ou de desmoronamentos.
Perante todo este cenário que piorava à medida que avançávamos, o motorista do nosso Jeep ia buzinando furiosamente e tentando fazer perigosas e impensáveis ultrapassagens, que tentámos algumas vezes impedir.
Foi um acumular te tensão, que me deixou à beira do desespero, ao ponto de ter saído do carro com a intensão de prosseguir o resto do caminho a pé; a persistente chuva, o frio e a lama, que quase me fez escorregar assim que pus os pés na estrada, obrigaram-me a refrear o impulso.
Todo este pesadelo somente abrandou quando começamos a descer em direcção a Sonamarg, e o sol foi timidamente despontando por entre as nuvens; o resto do percurso foi feito sem sobressaltos, por entre vales verdes e floridos, com a estrada a atravessar inúmeras povoações.
À chegada a Srinagar, por volta das duas da tarde, depois de 18 horas de viagem, fomos deixados pelo nosso motorista numa larga e movimentada avenida, ao som da sinfonia de buzinas, que nos tínhamos desabituado de ouvir, enquanto estivemos no Ladakh. Voltámos à Índia!