As trovoadas têm sido uma constante neste percurso pela Índia: em Delhi, Jaipur e Pushkar, eram uma promessa de uma temperatura mais amena e menos poeira no ar. Nas montanhas, tanto em Dharamkot como aqui no Parvati Valley, trazem quase sempre chuva, frio e muitas vezes granizo.
Enquanto escrevo estas notas, num rústico mas confortável quarto todo construído em madeira, observo através das janelas que rasgam a toda a largura duas das paredes do quarto, as nuvens negras que aos pouco vão cobrindo os picos das montanhas, ainda cobertos de neve, que se avistam da aldeia de Pulga.
Acordo com o sol a aquecer-me a cara e com o chilrear dos pássaros, enquanto os aldeões encaminham o gado para as montanhas ao som de assobios. Dos telhados das casas sai o fumo dos fogões e dos aquecedores de água a lenha, que aos poucos vão enchendo a aldeia com uma neblina que lentamente se encaminha para o céu.




Pulga, situada a cerca de 2269 metros de altitude, não acessível por automóveis, existindo somente um trilho pedonal que também é percorrido por mulas que aqui asseguram o abastecimento desta aldeia e das que se encontram próximas. Devido a um problema numa central eléctrica também não tem luz há cerca de uma semana… não há música, os frigoríficos não passam de armários, a noite é iluminada por velas e as refeições são cozinhadas a lenha.
Em frente à Apple View Guesthouse, onde estamos alojados, do outro lado do rio Parvati, encontra-se a feia povoação de Barshani, onde termina a estrada por onde chegamos, vindos de Manikaran. Foi uma viagem feita de autocarro, que demorou uma hora para percorrer os cerca de 14 quilómetros que separam as duas povoações. O estado da estrada, sem pavimento e com várias linhas de água a travessá-la, juntamente com o estreito e sinuoso traçado que acompanha de perto o Rio Parvati, fizeram desta viagem uma aventura cansativa, obrigando a paragens frequentes e a manobras complicadas cada vez que o autocarro se cruzava com outro veículo. Por diversas vezes saltamos literalmente do assento quando passávamos por cima de buracos e lombas que eram uma constante ao longo da estrada.
Para compensar, a paisagem que íamos avistando ia-se tornando cada vez mais deslumbrante com a aproximação das montanhas ainda cobertas de neve, mas olhar para o vale e para o rio que corria lá em baixo obrigava a uma dose de coragem, dada a proximidade com que o autocarro circulava do precipício.



Pulga não deve ter mais do 300 habitantes mas é surpreendente a quantidade de jovens e de crianças que se vês nas ruas… ruas é uma forma de identificar os caminhos, muitas vezes enlameados que separam as casas. No centro, entre os dois templos, encontra-se praticamente toda a actividade comercial da aldeia: três mercearias que vendem de tudo um pouco, desde produtos alimentares a alfaias agrícolas. Muitas das casa mantêm a arquitectura tradicional, em que o corpo central é constituído por uma estrutura de madeira, preenchida com pedra e forrada com uma argamassa argilosa; o piso térreo é destinado a armazenamento de forragem , madeira ou destinado aos animais, enquanto que os pisos superiores, rodeados com as características varandas de madeira que circundam toda a casa, são destinados à habitação. As casa de banho são invariavelmente no exterior.
Os dias passados em Pulga foram dominados pela falta de luz, que acentuou o carácter rural da aldeia, cobrindo-a com um silêncio só interrompido pelo mugir das vacas, pelas vozes alegres das crianças enquanto apanham erva para os animas, pelo grasnar das gralhas e pelo ranger dos ciprestes agitados pelo vento, na floresta que envolve parte da povoação e que se estende até às zonas mais altas, com neve.
Este ritmo foi interrompido para a festa anual de Pulga, que reuniu os homens da terra, junto ao templo mais antigo, todos com a cabeça coberta com o tradicional chapéu de feltro, decorado com fitas coloridas feitas em teares manuais, com motivos e cores tradicionais da região.
Ao som de tambores e do som soprado por cornos de vaca, os homens da aldeia foram-se encaminhando para a floresta, para uma zona sagrada onde existe um templo, para aí procederem ao sacrifício de um carneiro, cuja carne é depois é dividida pela população, que apesar deste costume, segue a dieta vegetariana.




No dia seguinte, também ao som de tambores acompanhados por longas trombetas, a população reuniu-se no centro da aldeia. Somente nesta ocasião vimos as mulheres participar na festa, dançando juntamente com os homens, e envergando trajes tradicionais. Como não havia electricidade a festa terminou ao anoitecer.
Apesar das diversas guesthouses existente na aldeia apresentarem uma grande variedade de comida internacional, que não explorámos, a comida em Pulga não apresenta grande diversidade, dominado a batata, a couve flor e por vezes o feijão verde ou umas ervilhas. Como não havia electricidade o panner, que é um queijo tradicional indiana usado frequentemente na culinária de todo o país estava excluído da ementa.
Apesar da aparente falta de conforto, resultante em parte de não termos luz, nem das comodidades a que estamos habituados, como água quente corrente para tomar banho foram dias muito bons, onde o sono chegava cedo à luz das velas.
À medida que a chuva deixava de nos visitar e em que os dias iam ficando mais quentes, aproveitámos para fazer algumas caminhadas pela floresta e pelas montanhas nas redondezas de Pulga, a uma aldeia próxima chamada Kalga, situada a cerca de uma hora de caminho e a Keerganga que consistiu na “joia da coroa” desta estadia no Parvati Valley.













