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Da intensa experiência que foi viajar nos estados do Nordeste da Índia, uma coisa houve que ficou marcada vivamente na memória dos sentidos: o paan… o cheiro, a côr, os gestos, o som do cuspir e o rasto vermelho deixado pelo chão.
Mas o que é o paan!?! Basicamente paan é noz de areca (areca nut), cujo aspecto se assemelha à noz-moscada, cortada em pequenos pedaços, e envolvida em folha de bétel, uma trepadeira de folha verde que tem efeitos estimulantes. A esta mistura junta-se muitas vezes tabaco (de mascar) e cal (hidróxido de cálcio)… sim, a mesma cal como a que se usa para revestir paredes.
A noz de areca, assemelha-se muito à noz-moscada, tanto no tamanho como no aspecto do fruto, mas em vez de nascer de uma árvore é o fruto de uma palmeira, cujas nozes crescem em cachos no topo de um fino e alto tronco.
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A folha de bétel é cuidadosamente dobrada em forma de um pequeno rectângulo, conservado a noz de areca, e colocada na boca, sendo ligeiramente mastigada de forma a libertar lentamente os sucos, que aos poucos vão dando uma coloração avermelhada à saliva, que se estende aos cantos da boca e aos lábios. Ao fim de alguns anos de utilização, resulta não só os dentes deteriorados e manchados de vermelho, como também uma certa adição, devido às propriedade da folha de bétel. Misturada com tabaco, aumentam ainda mais os efeitos cancerígenos da noz de areca.
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O paan produz uma forte salivação, o que faz com que os seus consumidores tenham necessidade frequente de cuspir, o que é muitas das vezes feito de forma aparatosa, num jacto de saliva avermelhada, que deixa um rasto pelas ruas, passeios e até paredes!
Sendo bastante popular na Índia, o hábito de consumir paan encontra-se espalhado um pouco por todos os países asiáticos, como o India, Nepal, Bangladesh, Sri Lanka e Birmânia, sendo este ultimo o país onde a presença de paan é uma constante, desde mulheres a crianças.
Mas a passagem por alguns dos estados do Nordeste da Índia, Assam, Nagaland e Meghalaya deixou uma marca mais forte deste fenómeno. Aqui, talvez mais do que em qualquer outra das regiões da Índia a noz de areca é “rainha”, sendo mesmo mastigada sem a folha de bétel ou outros ingredientes.
Sendo predominantemente um hábito masculino, comum entre a população mais pobre, é uma imagem de marca entre motoristas de autocarros e condutores de tuk-tuks; mas no Nordeste da Índia o paan é também bastante popular entre as mulheres, sendo o seu consumo transversal às várias camadas sociais, não sendo de estranhar encontrar um pastor na ilha de Majuli a cuspir o paan ou a recepcionista de um hotel em Mokokchung com os cantos da boca marcados pelo vermelho da noz de areca.
O consumo de tabaco de mascar é também bastante popular, sendo misturado com cal, de forma a humedecer as folhas formando uma pasta que se coloca junto à gengiva. A preparação do tabaco, esfregando a mistura na palma da mão com os dedos, que depois é ligeiramente batida para ficar espalmada, são um dos gestos que se vêm constantemente… nas cidades ou nas vilas, nas ruas ou nas lojas, em autocarros e comboios…
Apesar do acto de mascar tabaco ser desagradável, pois produz também a necessidade frequente de cuspir, o paan, com o seu cheiro adocicado criou ao fim de três semanas de viagem pelo Nordeste da Índia, uma certa repugnância pela combinação do som com o jacto de saliva vermelha libertado pelos mastigadores de paan, que não se esforçam por ser discretos ou delicados, fazendo do acto de cuspir uma arte, onde por certo a trajetória e distância do rasto vermelho deixado no chão é motivo de orgulho.
E um pouco por todo o lado, vêm-se sempre marcas brancas deixadas pela cal que colada aos dedos, é que depois são esfregando em ombreiras das portas, junto à lojas de paan, ou nos bancos dos autocarros e comboios…
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E o cheiro deixou também uma forte marca na minha memória, com quartos de hotel a cheirarem a paan, e com viagens longas de autocarro ou the sumo, a serem feitas na companhia de activos mastigadores de paan, cujo cheiro adocicado impregna o espaço, e a cruzam regularmente o meu campo de visão para cuspirem pela janela.
Uma negativa mas forte memória que criou em mim uma repugnância ao paan, ao qual os meus sentidos não conseguem ficar indiferentes.
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