Por sugestão de muitas das pessoas com quem falámos enquanto nos demorámos pelo vale do Rio Parvati decidimos ir a Keerganga (também aparece escrito como Khir Ganga) ainda para mais tinha o atrativo de lá perto realizar-se durante o mês de Maio o Rainbow Gathering que reúne informalmente centenas de pessoas em várias partes do mundo.
O percurso até Keerganga, situada a 2960 metros de altitude, é o mais famoso trekking do vale do Rio Parvati e segundo informações que recolhemos demora cerca de 4 a 5 horas da aldeia de Pulga onde estamos alojados, pelo que saímos de manhã cedo, munidos de fruta, bolachas e água, e dirigimo-nos para a aldeia próxima, Kalga, para nos encontrar-mos com a Tree, com quem fizemos amizade desde os primeiros dias que chegámos Apple Garden Guesthouse.
Recolhemos informações sobre o percurso que devíamos seguir e mantivemo-nos atentos às setas pintadas nas rochas e nas árvores que indicavam o caminho; o trilho era claro e bem visível, pouco inclinado e o tempo estava fresco e o sol brilhava, mas a floresta de cedros protegidos, pelo que tudo indicava uma caminhada agradável até Keerganga.
Passado pouco mais de uma hora, chegados a uma clareira no meio da floresta onde havia inúmeros trilhos não se destacando nenhum em particular que parecesse levar-nos ao nosso destino, pelo que andámos um pouco desorientados até concluirmos que estávamos perdidos e sem pontos de referencia, pois à nossa volta tudo era constante e uniforme: as árvores, as rochas e o rio Parvati.
Foi nessa altura que me senti vulnerável, pequena e à mercê da vasta floresta que mostrava todo o seu poder. As gralhas com o seu grasnar apreciam que escarnecer de nós. É incrível tumulto de sons que a natureza produz quando tudo aparenta estar imóvel e em silêncio.
Foi nesta altura que avistamos um grupo de pessoas que se aproximava, quatro rapazes indianos que se dirigiam para o mesmo sitio e que conheciam o caminho, recorrendo diversas vezes a fotografias que tinham no telemóvel para se orientarem. Percebemos mais tarde que também eles se tinham perdido e tivemos que fazer um percurso bastante difícil para subir uma encosta até alcançar-mos novamente o trilho, tendo-nos atrasado quase uma hora.
O resto do percurso foi pacifico em termos de orientação pois fomos encontrando várias pessoas no sentido contrário que regressavam de Keerganga, mas foi-se tornando mais difícil, com maiores inclinações e por vezes demasiado estreito; atravessamos linhas de água, que enlameavam o caminho, ou outras maiores que formavam cascatas e que cruzávamos pisando cuidadosamente pedras que se encontravam acima da linha de água, ou mesmo passando por cima de troncos de árvore que serviam de ponte sobre as águas que seguiam velozmente encosta abaixo.
A ultima hora do percurso foi bastante dura devido ao cansaço acumulado e à altitude a que estávamos, mas o esforço das quase 5 horas de caminhada foi altamente recompensado com a paisagem que nos esperava: uma vasta clareira coberta de erva verde por onde pastavam algumas mulas, rodeada a toda a volta por montanhas onde nas zonas mais altas o branco da neve reflectia o brilho do sol. Pelas encostas escorriam largas cascatas que desapareciam na densa floresta de cedros e pinheiros.
A paisagem é deslumbrante e esmagadora na sua beleza, mostrando-se com toda a sua imponência, fazendo-nos sentir o quão pequenos nós somos e como estamos sujeitos à sua poderosa força.
Keerganga não se trata propriamente de uma povoação mas sim de um aglomerado de construções precárias feitas em madeira, plástico e chapa de zinco, que funcionam durante o verão como restaurantes, uma ou duas barracas de venda de artigos de higiene e mercearia, e algumas construções destinadas ao alojamento.











Outro do grande atractivos de Keerganga são as nascentes de água quente, onde nos banhamos em tanques construídos no cimo da encosta, junto a um pequeno templo hindu. À boa maneira indiana, existem tanques separados para homens e para mulheres; os homens podem assim apreciar a paisagem das montanhas cobertas de neve, tendo ao lado sido construída uma alta vedação em madeira, coberta com plástico e chapa zincada para as mulheres se poderem banhar longe dos olhares dos homens.








Como chegamos um pouco tarde não conseguimos arranjar sitio para dormir nos alojamentos existente, e empreender no mesmo dia o caminho de volta estava fora de questão, pelo que ficamos a dormir nos restaurantes, que já está preparados para estas situações, fornecendo cobertores e disponibilizando espaço junto a grande fornos a lenha de forma circular, que aqui se chamam tandori. À noite fazia realmente muito frio, e sentia-se o vento gelado que vinha das montanhas e que entrava facilmente pelas inúmeras frestas destas construções rudimentares. Pagámos 50 rupias por pessoa, e lá passamos duas noites, pouco confortáveis, juntamente com a nossa amiga Tree e muitos outros estrangeiros. Todas estas povoações, Pulga, Kalga, Tosh (que fica do outro lado do rio Parvati mas que não visitamos) e Keergana ficam cobertas de neve durante o Inverno; segundo nos disseram em Abril ainda havia neve em Pulga.


O regresso foi sem a Tree que decidiu ficar acampada no Rainbow Gathering, foi mais rápido pois dominavam as descidas, mas apesar da total confiança que tínhamos, apercebemo-nos que estávamos no caminho errado ao encontrar-mos uma ponte que cruzava o rio Parvati e que nunca tínhamos atravessado. Uma coisa boa que o excesso de população que a Índia tem, é que encontra-se sempre alguém mesmo nos sítios mais recônditos e improváveis. Desta vez avistamos ao longe um carregador com as suas mulas que aqui são o único meio de transporte, e esperámos até ele se aproximar para nos indicar a direcção que devíamos tomar para retomar-mos ao trilho que nos levaria de volta a Kalga, a aldeia mais próxima.
Talvez devido à rapidez com que fizemos o percurso, com bom ritmo e poucas paragens, tendo demorado cerca de 3 horas, ou devido ao cansaço acumulado por duas noites mal dormidas, fez com que o pequeno trajecto que separa Kalga da aldeia de Pulga parecesse uma eternidade, onde nas subidas cada passo requeria um esforço monumental.
Mal chegamos esperámos pela água quente, tomámos um merecido banho e pouco de pois de comermos uma reconfortante refeição, fomos dormir, só acordando no dia seguinte com o nascer do sol; foi um longo sono de 11 horas…
O Rainbow Gathring, a pouco mais de 15 minutos de Kerrganga, reunia poucas dezenas de pessoas, acampadas pela floresta à volta de uma clareira onde foi construída uma tenda para preparação de refeições e onde havia uma fogueira, que funcionavam como local de encontro.
A manhã foi preenchida com a preparação da refeição, onde diversas pessoas participavam ajudando o “chef” indiano, a quem toda a gente chamava baba (que significa pai, mas que é também usada para mostrar respeito por alguém). A refeição, um carril de vegetais e arroz, foi partilhada por todos os que ali estavam reunidos em circulo. O ponto alto, foi a preparação do pão que serviu de acompanhamento: uma especialidade do Rajastão chamada bati, e que é geralmente acompanha pratos de lentilhas.
A massa deste pão é a mesma dos rotis e das parathas: farinha, água e pouco sal. Como não leva fermento não precisa de levedar, sendo o pão sempre confecionado na hora, estendido e cozinhado numa frigideira. Os batis que acompanharam a nossa refeição tiveram um tratamento diferente, pois foram cozinhados directamente no lume, mas com a particularidade deste não ser feito com madeira mas sim com “bosta” de vaca seca. Pode parecer um pouco nojento mas o resultado foi muito bom, traduzido em pequenos pães tostados por fora, densos por dentro e com um característico sabor a fumeiro.





