Kashmir é o principal ponto de discórdia ente a Índia e o Paquistão, tendo tornado estes dois países inimigos, com inúmeros episódios de guerra, massacres e atentados, tendo até hoje deixado um rasto de sangue de mais de 60.000 vítimas.
A raiz do conflito remonta a 1947, aquando da independência em relação ao Império Britânico, o Marajá de Kashmir, de origem hindu, optou por se juntar ao território Indiano, em detrimento do Paquistão, apesar de noventa por cento dos seus habitantes serem muçulmanos. Desde então tem crescido um sentimento independentista, apoiado pelo Paquistão, que pretende a criação de um novo estado. Os habitantes de Kashmir reclamam uma herança genética, religiosa e cultura Persa, falam uma língua própria, o kashmiri, derivado do persa, com o correspondente alfabeto em caracteres árabes.
O estado de Jammu e Kashmir, faz fronteira com o Paquistão e com a China, na região do Ladakh, com parte do seu território interdito por questões de segurança, chamadas “zonas de controlo”. Culturalmente é dominado pela cultura e religiões muçulmana, com excepção do zona mais a este, que é claramente influenciada pelo Tibete.
Até à cerca de 10 anos esta região era considerada zona de guerra, e apesar de não estar interdita aos visitantes, era fortemente desaconselhada, em especial a turistas estrangeiros.
Hoje em dia, diminuiu consideravelmente a presença militar na cidade de Srinagar, contudo ainda se vêm, nas principais avenidas, nos cruzamentos e junto a edifícios públicos, postos de controle protegidos por sacos de areia, barreiras feitas de arame farpado, carros blindados e grupos de militares fortemente armados.
Aparentemente a situação na cidade é calma, mas nota-se alguma tensão em especial às sextas-feiras, dia sagrado para os muçulmanos, com o aumento do numero de militares nas zonas mais movimentadas da cidade.
Para mim é bastante estranho estar a caminhar pelas ruas e passar a menos de meio metro de militares vestidos de camuflado, armados com metralhadoras, e protegidos por capacetes e coletes à prova de bala. Acho que nunca tinha estado tão próximo de armas de fogo… vistas de perto até não aparentam serem tão perigosas, se comparar-mos com o que vemos nos filmes, mas por vezes sinto crescer em mim um certo terror que me faz acelerar o passo a afastar-me rapidamente destes locais. Mas estranhamente sinto-me bem nesta cidade.
Recentemente a visita do primeiro-ministro indiano a Srinagar, provocou uma greve-geral, e um onda de protestos e manifestações que culminaram com a morte de cerca de uma dezena de policias, durante confrontos na zona mais antiga da cidade, e onde se localizam as maiores e mais importantes mesquitas. Nas duas noites seguintes houve recolher obrigatório, e mesmo durante o dia fomos aconselhados a não nos afastar-mos muita da zona onde se localiza a nossa guesthouse, que fica junto ao Lago Dal, a meio caminho entre a zona antiga e a parte mais moderna de Srinagar.
Na volta que demos pelas redondezas, no primeiro dia da greve, deparámos com um silêncio invulgar e impensável para uma cidade, e que permitia ouvir o som dos pássaros, em resultado de muitas das ruas principais estarem encerradas ao trânsito como medida de segurança.
Para agravar as coisas, a chegada do primeiro ministro, de religião sikh, coincidiu com as celebrações do inicio da quinzena, que antecede o Ramadão, e que reuniu milhares de pessoas nas inúmeras mesquitas, ao fim doa dia, enquanto pelos altifalantes o som das orações e dos versos do Alcorão se espalhavam por toda a cidade de Srinagar, prolongando-se pela noite dentro, terminado muito depois da meia-noite.
Estranhamente o dia-a-dia em Srinagar, decorre sem grandes sobressaltos totalmente alheio a todo este aparato militar, com a habitual confusão de trânsito de uma cidade indiana comandada pelo som das buzinas, com o frenético movimentos de pessoas, os vendedores de frutas e legumes à beira da estrada, as crianças a caminho da escola envergando os seus uniformes, as mulheres de cabeça coberta fazendo compras ou lavando a roupa no lago, as vozes dos ajudantes de motorista repetindo o destino do autocarro cada vez que chega a uma paragem, as galinhas engaioladas à espera do seu fim, os carneiros pendurados nos talhos… e o sempre presente som dos “mullah” entoando cânticos e convocando os crentes para as orações, que se repetem cinco vezes durante o dia.





