Apesar de ser a cidade com mais população do país com os seus mais de dois milhões e meio de habitantes, Yangon, anteriormente designada por Rangon, apresentou-se calma, como que abafada por um manto silenciosamente estranho para uma cidade desta dimensão, onde o tráfego apesar de constante é ordeiro e o som das buzinas apesar de presente é menos estridentes. Um grande contraste com a agitada e poluída Bago.
Contribui para esta primeira impressão de dormência, o facto de ser proibida a circulação de motos na cidade, desde que o carro onde circulava um militar de alta patente ter sido seriamente atingido por um motociclo, e também pelo nível de vida que aqui se apresenta mais próspero, afastando os decrépitos veículos, barulhentos e libertadores de negros fumos de escape, que caracterizam o parque automóvel do país.
A parte antiga de Yangon, cujo centro é a Sule Pagoda, com as suas ruas estreitas e ordeiramente paralelas, interceptadas por desafogas avenidas desenhadas a régua, com praças de traçado geométrico, onde despontam igrejas cristãs, é sem dúvida a zona mais inspiradora da cidade, que pouco aproveita da proximidade ao rio que lhe dá o nome, mais dedicado a actividades portuárias e comerciais do que a passeios turísticos.
É principalmente nas ruas secundárias, onde prédios modernos de arquitectura inclassificável dominada vidros espelhados, alumínio e fachadas revestidas a mosaico, tentam ganhar espaço entre os edifícios construídos durante a presença inglesa, que são sem dúvida as personagens principais da decadente encenação em que parece que a cidade vive, e que é responsável pelo seu atraente charme.
Tudo está coberto por um manto de decadência, que a custo é evitado por sucessivas camadas de tinta, cujas cores tentam regatar estes edifícios do ataque de fungos que corrompe a tinta, dos pombos que se apoderam de todos os recantos, e de árvores e arbustos que estoicamente insistem em tentar a sua sorte em zonas inacessíveis, e principalmente do devastador poder da monção que corrói a estrutura dos edifícios.
Sobrevivem ainda muitos edifícios herdeiros do colonialismo britânico, uns dominando avenidas, ocupando esquinas e destacando-se pela sua imponência e arquitectura orgulhosa, de inspiração neoclássica, outros, mais modestos alinhados em ruas secundárias, com suas fachadas rasgadas por generosas janelas e enriquecidas por varandas, através das quais se pode bisbilhotar o simples e modesto quotidiano birmanês vivido por traz do aspecto majestoso das fachadas.
Yangon, espelha a diversidade cultural, religiosa e étnica que caracteriza a Birmânia e que torna este país numa feliz e tolerante mistura entre a cultura do subcontinente indiano com o sudoeste asiático, capaz de despertar intensas sensações e fortes emoções, atraente e por vezes demasiado intensa.
Uma mistura rica e tolerante, onde na mesma rua convive um templo jainista com uma mesquita, ambas a poucos passos de um templo hindu, onde numa esquina nos podemos deliciar com uns iddlys que nos transportam para o sul da Índia, e noutra provar a birmanesa mohinga retirada de panelas fumegantes, e num restaurante próximo provar um biriani de inspiração muçulmana.
Homens vestindo o lungi atado com um nó, ao estilo birmanês, muçulmanos ostentando longas barbas de bigode cortado, mulheres de véu cobrindo o cabelo e o pescoço, outras exibindo floridos e justos lungis, monges de cabeça rapada recolhendo oferendas enquanto dos discretos minaretes das mesquitas se ouvem os chamamentos para as orações. Isto é Yangon.
Nos cafés, chamados de “tea houses”, reúnem-se em volta de pequenas mesas forradas a fórmica cujo padrão se foi esquecendo de tanto ser polido por panos sujos e húmidos, homens e umas poucas mulheres, cuja diversidade de rostos espelha as diferentes origens, onde se misturam chineses e indianos com birmaneses de diferentes etnias, unidos por uma identidade birmaneses e que apresentam o denominador comum de fixarem a sua atenção nos únicos estrangeiros que por aqui decidem dar descanso à pernas. São olhares atentos e curiosos, e que quando se cruzam com os nossos, respondem com um frontal e sincero sorriso.
Uma cidade que apesar de degradada soube manter uma majestosa dignidade.
Uma cidade cativante e inspiradora.
Uma cidade para ser resgatada do abandono.
































