A meio da tarde o ceu escoreceu e ao longe rebentaram os trovoes, anunciando a aproximacao de chuva; quase de imediato grossas pingas cairam-nos em em cima, colando a roupa ao corpo. Abrigados sobre precarios toldos de lojas de artigos religiosos no centro de Varanasi, assistimos a descarga do ceu que se abateu ferozmente sobre a cidade, inundando ruas e criando pequenos rios que velozmente desciam pelas estreitas ruas arrastando toda a sujidade acumulada. Rapidamente, em menos de cinco minutos as ruas ficaram cobertas de agua, tornado impossivel andar sem mergulhar os pes num caudal lamacento.
Perante este cenario, os habitantes de Varanasi, pouca emocao demonstraram, sem se notar grande mudanca no frenetico movimento da cidade, com muita gente a caminhar a chuva, sem qualquer protecao e sem aparentarem grande pressa. Foi o nosso primeiro contacto com uma chuvada tipica da epoca das moncoes: intensa, ameacadora mas que traz um ar mais limpo e algum alivio ao calor que se sente.
Varanasi, tambem conhecida por Benares, e uma das cidades mais antigas do mundo, datando os primeiros registos do seculo VI AC, constituindo o principal centro da cultura hindu, que atribui a este local o poder de conferir a iluminacao espiritual e a libertacao do ciclo de reencarnacoes a quem aqui morra.
A zona mais antiga da cidade, situa-se ao longo do Rio Ganges, aqui chamado de Ganga, onde diariamente sao realizados os banhos sagrados, nas aguas purificadoras do rio, tanto por peregrinos como por habitantes. E tambem considerado um local auspicioso para a cremacao dos mortos, existindo “gahts” especificos para a realizacao destas cerimonias, que sao discretas e sem grande aparato.
Segundo ouvimos… “Delhi e a capital, mas Varanasi e o coracao da India”… realmente e uma cidade vibrante, cheia devida, sons, cores, movimento. Somente o calor e a humidade que se sente nesta altura do ano, roubam a energia aos seus habitantes, fazendo com que os corpos se entreguem a uma certa lassidao que leva ao sono leve; passando por uma loja ou olhando para o interior de uma casa cuja porta permanece despreocupadamente aberta, numa soleira de uma porta, ou junto a entrada de um templo encontram-se pessoas a dormitar, completamente alheias do movimento que as rodeia. Corpos abandonados, expostos e vulneraveis.
Ruas estreitas com pavimento em pedra ja gasta pelo tempo, contornam de forma labirintica os edificios que compoem a parte antiga da cidade, onde inumeros templos hindus disputam ardoamente o espaco, convivendo de perto com as habitacoes que se aninham umas contra as outras, elevando-se instavelmente por varios andares, conferindo as ruas uma quase premanente sombra, onde se pode sentir algum alivio do calor e da humidade provocada pela moncao. Nesta densa paisagem urbana, surge esporadicamente o verde brilhante de uma arvore, cujo retorcido tronco ou as suas raizes aereas atestam a sua antiguidade. Muitas delas sao as chamadas arvores de Bodhi, junto a qual Budha atingui a iluminacao e por isso consideradas sagradas e local de devocao pelos hindus.
Varansi apresenta uma aparente decadencia, como se lhe tivessem estendido um manto de humidade e fungos, cobrindo todos os edificios, casas, lojas e templos, roubando o brilho das cores berrantes com que estao pintados, sem contudo perder a sua dignidade ou a beleza do conjunto.
Por todas as ruas se veem vacas, cabras, caes, criancas semi-despidas a brincar, velhos sentados junto a entrada das casas, mulheres a preparar a comida ou a lavar roupa, homens a tirar aguas dos pocos, vendedores de “paan”, de comida, de artigos religiosos para as cerimonias do “puja”… Nuvens de moscas sobem dos dejetos das vacas, dos caes e dos habitantes a medida que vamos passando, o que juntamente com o lixo domestico existente nas ruas, impregna o ar com um odor acre e azedo. A chegada aos ghats traz uma lufada de ar-fresco e de luz, abrindo as estreitas ruas ao Ganges que corre castanho e lamacento.
Com a moncao e especialmente devido as chuvas que cairam no mes passado provocando inundacoes no estado de Uttarakhand, o nivel do rio subiu bastante, sobmergindo a maior parte dos ghats, tornando impossivel percorrer a cidade junto ao Ganges e impedindo a circulacao dos barcos donde se tem uma vista previligiada de Varanasi. Nos seis dias que aqui passamos, assistimos incredulos a descida do nivel da agua, cerca de dois metros, pondo a descoberto muitas das escadas de acessoao rio.
“Varanasi e uma aldeia com dois milhoes de habitantes” ouvimos esta frase da boca de um australiano que vive a cerca de seis anos, com a familia, nesta cidade, que ama e por vezes odeia. Uma aldeia que cresceu sem planeamentonem infra-estruturas ou de agua, na maioria das casas da parte antiga. As ruas principais encontram-se em mau estado, sem passeios, em valetas e com grandes buracos nas zonas pavimentadas, que quando caem as grande chuvadas, foram grandes pocas lamacentas, dificeis de contornar, tornando as ruas quase intransitaveis e provocando o caos no transito. O lixo e despejado nas ruas e recolhido diariamente de manha, de forma rudimentar com a ajuda de tabuas em substiuicao de pas e vassoras, e reunido em locais especificos em varias zonas da cidade, onde ai vai sendo empilhado permanecendo dias ate ser transportado para outro local,servindo de repasto as vacas, cabras e caes impregnando o ar de um cheiro a azedo e repleto de moscas.
Somente no ultimo dia que passamos em Varanasi vimos um pouco do azul do ceu, que se manteve sempre carregado de espessas nuvens cinzentas e que perante a ausencia de qualquer aragem permaneceram sobre o rio e a cidade roubando-lhe as cores.
Varanasie tem personalidade, alma, passado, devocao e religiosidade. E, sem duvida a cidade indiana mais bonita, onde espero voltar.
Ghats – zona de acesso a um rio ou lago, constiuido por degrau em pedra onde os crentes hindus se banham
Para fugir a confusao e a intensidade que se vive no centro da cidade de Varanasi, seguimos a sugestao da nossa amiga Rebecca e ficamos no Assi Ghat, o mais afastado do centro. Foi realmente uma boa sugestao pois o local e amplo e muito mais calmo do que qualquer outro que visitamos.
Depois de uma longa procura, onde nos perdemos nas intrincadas ruas em busca de uma guest house, limpa, com o minimo de condicoes e com precos razoaveis, o que se revelou dificil apesar de estarmos em epoca baixa, encontramos o Yoga Mandir; este espaco funciona tambem como centro de yoga, centro de terapias ayurvedicas, escola de massagens e restaurante de comida organica (nao e toda?!?!). Mas o que os levou a ficar aqui alojados foi o espaco: situado junto ao rio, com os quartos disposto em galerias, virados para um pequeno jardim.
Apesar de tudo nao encontramos aqui o ambiente necessario para tornar a estadia agradavel, devido a um misto de antipatia e desinteresse demonstrado pelo pessoal que estava a gerir a guest house, que nao ajudou a criar boa impressao deste espaco, que durante a epoca alta deve estar entregue em melhores maos.
A comida “oarganica” que experimentamos era comestivel mas muito basica e de confecao descuidada.
Para compensar tinhamos wi-fi incluido no preco do quarto, que custou, depois de algum regateio, 600 rupias por noite… mais do que estamos habituados a pagar.