Da mesma forma que a viagem pela estrada que liga a Manali e Leh, revelou uma outra Índia, a estrada que fizemos entre Leh e Srinagar, trouxe uma nova realidade; passámos da seca e árida paisagem dominada no alto pelos mosteiros budistas, para uma zona verde onde a presença de água é uma constante e onde os costumes se baseiam na religião muçulmana e na cultura persa, de que Kashmir é herdeira.
Deixámos para trás as saudações habituais hindus, como o “namasté, o “julê” dos habitantes do Ladakh, para passar-mos para o “salamu alekum”. Aqui os indianos são a minoria. O único templo hindu que visitámos está sob fortes medidas de segurança, sendo proibida a entrada com máquinas fotográficas, telemóveis, isqueiros, etc, sendo necessário passar por detectores de metais, tudo isto sob o olhar atento de inúmeros militares e polícias armados. Contudo são bem vindos como turistas, pois representam uma das fontes de rendimento da região, que tem o atractivo do clima ameno, que contrasta com a maior parte do território indiano que nesta altura está sob o domínio das monções ou sujeito a altas temperaturas.
O clima nesta altura do ano é ameno, com dias quentes e noites agradáveis, notando-se bem a humidade que resulta da proximidade do lago; quando começa a fazer mais calor, e as temperaturas ultrapassam os 30ºC, surge a chuva e por vezes trovoadas, que logo atenuam o calor. No Inverno neva.
Srinagar é conhecida internamente como a Veneza da Índia, e muitas vezes eleita como destino para lua-de-mel dos indianos. Para além dos vários rios que serpenteiam pela cidade ligando os vários lagos, poucas mais semelhanças se encontram entre as duas cidades. Aqui as gôndolas são substituídas pelas “shikaras”, pequenos barcos de madeira, compridos e estreitos, movidos a remos, que são usados nas deslocações diárias e nos passeios pelo lago, que constituem a principal atracção turística da cidade com centenas de “shikaras” a percorrer os canais que se formam por entre as “ilhas” de nenúfares e de flor-de-lótus. Neste habitat, apesar de algum lixo doméstico, abundam os peixes, e é frequente encontrarem-se pessoas à pesca, usando canas e utensílios rudimentares, disputando o peixe com as águias, que em voo picado caçam nas águas pouco profundas do lago Dal.
Outras das atracções da cidade são as chamadas “houseboats”, que basicamente são casas flutuantes, que originalmente foram construídas pelos ingleses que aqui estavam proibidos de comprar terreno, e que encontraram assim uma solução para se estabelecerem em Srinagar; actualmente quase todas as “houseboats” são destinados ao turismo. Apesar de à primeira vista ser uma opção atractiva para passarmos alguns dias, depressa mudámos de ideias, não só pelo preço, que triplica em relação a uma guesthouse, mas em principalmente porque estão estacionadas muito próximos umas das outras, formando uma barreira compacta que se estende ao longo das margens do lago.
Nas deambulações pela parte antiga da cidade, onde as casas são construídas numa estrutura triangulada preenchida com pedra, pintando um cenário dominado pelo castanho e cinzento, visitámos a mesquita mais antiga, Jamia Majid, que data do século XVI, mas que tem sofrido melhoramentos que a têm desfigurado, apresentando poucos atractivos.
Da passagem dos mongóis ficaram vários jardim, construídos em alamedas rectilíneas, atravessadas por geométricos lagos e ladeadas por plátanos gigantescos com centenas de anos. São local de eleição para passeios de família em especial aos fins de semana.
Srinagar foi uma surpresa agradável. Desconhecia a existência desta cidade, temia o facto de aqui dominar a cultura muçulmana e receava pelas histórias de guerra e de atentados, o que fazia prever uma estadia curta de alguns dias, para segui rumo para sul.
Contudo o verde, a vida da cidade, o clima e em particular a diferença em termos culturais, fez com que a estadia se fosse prolongado por mais de quinze dias.
Nota-se uma grande diferença fisionómica nos rostos dos habitantes de Kashmir, com traços mais fortes e masculinos, muitos com olhos verdes, cor de avelã e mesmo azuis, talvez herança dos antepassados persas, que criam um forte contraste com a pele morena e escura.
Muitos vestem roupa tradicional, túnica sobre calças largas, geralmente branca, que por vezes lhes confere um ar distinto. As barbas são quase uma constante, em particular nos homens mais velhos. Somente as mulheres hindus andam com a cabeça descoberta, sendo frequente cruzarmo-nos com mulheres com o rosto totalmente coberto, por véus pretos que lhes escondem o olhar.
Quando nas ruas e nos autocarros, cruzamos olhares tanto com homens como com mulheres que nos observam com curiosidade, a reacção inicial é de indiferença ou de desconfiança, mas rapidamente é substituída por um sorriso amigável.
Aqui em Kashmir, ao sermos abordados nas ruas com as habituais perguntas sobre de onde somos, o nosso nome, etc… pode surgir um convite para tomar chá. Foi o que nos aconteceu numa tarde ao passearmos pela parte antiga da cidade, onde fomos interpelados por um rapaz que nos convidou para sua casa, onde estivemos na conversa juntamente com o pai, enquanto bebíamos chá em delicadas chávenas de porcelana e debicávamos bolinhos. Este situação repetiu-se e revelou-se uma excelente oportunidade para tentar perceber mais um pouco desta cultura, das tradições, da forma como encaram a vida e também o sentimento que existe em relação á criação de uma Kashmir independente da Índia e do Paquistão.
Kashmir soa a exótico, frutos secos, açafrão, pashminas… de Srinagar fica a memória de uma cidade verde, abundante e orgulhosa.


















Eis um pequeno video da aventura:







