Estamos no ramadão, e ao fim do dia a mesquita que se encontra nas traseiras do hotel Broad Lands, enche-se de fiéis que vêm fazer as oração que marcam o fim do jejum a que os muçulmanos estão obrigados desde o nascer do dia, durante este período.
O hotel, a funcionar desde 1951, é um verdadeiro achado nesta cidade que aparentemente não tem muito para oferecer, tendo sido nos anos 70 e 80 o ponto de encontro da comunidade hippie que rumou a Índia em busca do exotismo e de espiritualidade. Actualmente a realidade que aqui se vive e bem diferente, não tendo deixado contudo de ser ponto de encontro para viajantes ocidentais.
O edifício, um antigo palácio, construído ao estilo árabe, pintado de branco e azul claro, é composto por vários pátios dispostos sequencialmente, circundados por varandas que dão acesso aos cerca de quarenta quartos, distribuídos por dois andares, cujo acesso é feito por um intricado conjunto de escadas, passagens estreitas, conferindo ao espaço um ambiente misterioso.
As portas e as portadas das janelas dos quartos são de madeira, com ripas, pintadas no mesmo azul pálido das paredes, que abrem para o pátio e permitem a entrada de luz; não existem vidros conforme é tradicional nas habitações do sul da Índia, onde o clima não apresenta grandes variações entre o verão e o inverno, para além da presença da chuva.
Um olhar mais atento revela claros sinais de decadência, com a tinta das portadas e das varandas descamar, deixando a madeira ao sujeita a degradação provocada pelo clima húmido, a humidade a fazer os estragos nas paredes, a cor da tinta a desbotar, teias de aranha nos cantos mais obscuros e uma fina camada de pó que atesta a passagem do tempo que retirou alguma dignidade ao edifício sem contudo lhe beliscar no charme que apresenta.
Do terraço, ao qual se tem acesso por uma íngreme e precária escada de madeira, onde nos espera uma solitária cadeira pintada no mesmo tom azul pálido que caracteriza o hotel, avista-se grande parte do bairro de Triplicane, que é dominado pela comunidade muçulmana.
No último e o maior dos vários pátios, encontra-se uma árvore que ultrapassa em altura os vários pisos do edifício, que aqui chamada de “neem” que para além de ser considerada sagrada tem propriedades medicinais sendo usada na naturopatia e na medicina ayurvédica.
Do meu quarto, situado no piso térreo do ultimo pátio do hotel Broad Lands, olhando através da janela rasgada quase até ao chão, sentada na minha cadeira de verga pintada de verde pálido, de onde a tinta se vai soltando aos poucos, observo a grande árvore que domina todo o pátio, que se agita e range violentamente com o vento forte que anuncia a aproximação da trovoada.
A chuva cai forte, em mornas pingas grossas, alagando tudo em pouco minutos, mas deixando um ar mais fresco e limpo. Mesmo assim, não é suficiente para afastar a espessas camadas de nuvens que cobrem o céu de Chennai, roubado as cores à cidade e ao mar.
No Broad Lands reina a calma e apesar de se situar num dos bairros mais movimentados da cidade, consegue-se aqui ter algum descanso do incessante som dos automóveis e das buzinas que noite e dia servem de banda sonora a vida da cidade de Chennai. Aqui encontro refúgio para passar as horas de maior calor, lendo ou desenhando, enquanto no pátio o grasnar das gralhas se sobrepõe ao melancólico chamamento para as orações, emitido pelos altifalantes da mesquita vizinha.
(este texto data de Julho de 2013)
Broadlands Lodging House
18, Vallabha Agraharam Street (numa perpendicular à Triplicane Road)
Triplicane, Chennai
Quarto individual, com casa de banho: 400 rupias