De volta à grande cidade, a segunda maior da Índia com mais de 12 milhões de habitantes, desta vez para enfrentar temperaturas mais elevadas e a intensa humidade provocada pela monção, que contribui fortemente para o desconforto que se sente quando se anda pelas ruas, mesmo de manhã cedo ou depois do pôr do sol, obrigando-nos a procurar refúgio por baixo de uma ventoinha ou com sorte, perto de um ar-condicionado.
Quando chegámos ao terminal de autocarros de Delhi, tivemos a ajuda de um rapaz de Kashmir com quem viajamos, para irmos de metro até Paharganj, evitando assim os astronómicos preços que os condutores de tuk-tuk nos pediam. Uma boa surpresa que em nada fica a dever ao Metro que conhecemos de Lisboa… até na semelhança de apresentarem uma rede extremamente pequena tendo em conta a dimensão das cidades; o ar-condicionado nas carruagens foi uma bênção pois com o calor, humidade e com o peso das malas, o suor escorria em abundância, empapando a roupa e tornando a pele peganhenta e luzidia.
Nesta segunda estadia, afastámo-nos um pouco da zona do Paharganj, junto à estação de comboios de New Delhi, e explorámos o bairro de Connought Place, um pouco mais a sul, mas suficientemente perto para irmos a pé.
Connought Place é uma zona ampla, formada por ruas circulares que se desenvolvem em volta de uma rotunda, onde os edifícios de estilo clássico, com dois ou três piso, disposto homogeneamente em volta da praça central, se encontram bem conservados e uniformemente pintados de branco; à volta desta área vêm-se edifícios modernos, altos e de aspecto pesado. As ruas são largas, onde é possível circular pelo passeios (… sim, aqui há passeios) a confortável distância do trânsito, que nesta zona nem apresenta a habitual confusão nem a sinfonia de buzinas.
Aqui é o coração da zona mais sofisticada de Delhi, onde se podem encontrar, protegidas pelas arcadas apoiadas em pilares, muitas lojas com as mais conhecidas marcas internacionais e outras vendendo luxuosa roupa tradicional indiana, ourivesarias, cinemas, hotéis de luxo, restaurantes sofisticados, boas livrarias… tudo destinado aos consumidores com mais dinheiro. As pessoas com quem nos cruzámos vestem de forma ocidental, alguns com roupa de “escritório”, por vezes falando inglês entre si.
Paharganj, a zona onde estamos alojados, é o oposto: andar a pé é uma verdadeira prova de perícia, tendo constantemente que nos desviar de pessoas, bicicletas, tuk-tuk, motas e carros, poças de lama, montes de lixo, vendedores ambulantes que empurram carrinhos de mão, mendigos, vacas deambulando calmamente pelo frenesim das ruas, alheias ao movimento humano, cães que dormem enroscados durante quase todo o dia nos locais mais estranhos, água que escorre não se sabe bem de onde… enfim um mundo fervilhante de vida!
Com a chuva que chega ocasionalmente mas com bastante intensidade, todo o chão fica lamacento e escorregadio, formando poças nos vários buracos da estrada… não há passeios onde procurar refúgio e um passo em falso pode significar mergulhar dramaticamente o pé, ou mesmo a perna, num liquido escuro, espesso e fétido.
Nas ruas escuras e estreitas que dão acesso ao Main Bazar, a rua principal de Paharganj, nuvens de moscas sobem do lixo e dos dejectos das vacas à medida que passamos; o cheiro dos urinóis que se encontram espalhados pelas ruas secundárias, invade acidamente as narinas.
Esta zona corresponde à imagem tradicional das cidades indianas: confusa, barulhenta e suja, prédios inacabados e outros prestes a cair, mas ao mesmo tempo é intensa, cheia de vida e de cor: são os “sarhees” das mulheres, os “lungis” dos homens, o laranja dos panos que cobrem os “babas”, o cheiro das chamuças acabadas de fritar, do “chai” acabado de fazer, a acidez do leite junto aos vendedores de iogurte e “panner”, o doce dos “lassis”… o perfume das especiarias que sai dos restaurantes cuja cozinha é quase sempre na rua… excessivo, intenso e apaixonante.
Connought Place e Paharganj são duas imagens dos contrastes que a cidade de Delhi apresenta e reflectem também a Índia, em que o desenvolvimento e a ocidentalização caminham paralelamente com a pobreza e as tradições religiosas e culturais. Aparentemente, as mudanças estão a ser aceleradas devido ao rápido crescimento económico, do qual os indianos têm consciência e de que se orgulham, mas que cria uma sociedade mais materialista e que vai minando os valores morais de respeito, honestidade e generosidade que caracterizam o povo indiano. A isto chama-se progresso.
Depois da espelunca onde ficamos na primeira vez que aqui viemos, optámos por “abrir os cordões à bolsa” e ficar alojados num sitio decente e com ar-condicionado, para podermos recuperar decentemente das 26 horas de viagem de autocarro, que nos trouxe de Srinagar. Escolhemos o Ajay Guest House, mesmo em frente do Hare Rama Hotel, onde tínhamos ficado em Abril.
Por 1000 rupias (cerca de 14€) tivemos direito a um quarto de luxo, sofá, mesa, secretária, televisão, internet no quarto, limpeza e espaço… muito espaço; até fomos presenteados com os habituais “kits” de hotel que incluem sabonete, pasta e escova de dentes, champô, cotonetes, lâmina de barbear… um luxo para a nossa condição de “backpackers”!
Ajay Guest House
5084-A, Main-bazar, Paharganj, New Delhi
Tel: +91-11-23583125